quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Into the Wild





Por: Tiago Pereira da Silva

Em que medida é que somos totalmente imparciais na interpretação de um filme quando nos comovemos, profundamente, com o mesmo?
Corremos, quase sempre, sérios riscos de transformar um texto, ou critica, num elogio obcecado. Mas a verdade é que no final de “Into the Wild” acabei como há muito tempo não ficava, numa sala de cinema. Sufocado, completamente suado e colado à cadeira. Ainda a recuperar de uma respiração afogada, levantei-me com uma estrutura molecular diferente e não percebia, exactamente porquê! A história de Chris entranhou-se toda em mim...

Quando termina, a pessoa tem a noção exacta de ter assistido simplesmente a um bom filme. Nem mais e nem menos. Mas então, porquê tamanha reacção de desconforto?
Será só porque o que a história de Chris McCandless representa é a negação do nosso quotidiano, ou, um antagonismo indecifrável?
Estamos tão longe da lógica e do espírito de Chris, que o nosso desconforto é ao mesmo tempo, embebido de uma estranha satisfação por sabermos que à medida que nos levantamos da sala, de um cinema qualquer, voltamos para esse mundo miserável de Ipods,telemóveis, portáteis, GPS, máquinas digitais, etc que como já vimos escrito “algures”, impede-nos de sugar todo tutano da vida.

Por isso fiquei dias e dias sem dizer uma palavra sobre o filme. Ok, estou a exagerar!
…mas sem conseguir desenvolver este texto, que agora cria forma.

Resumir a história de Christopher McCandless como a de um jovem promissor que abandona a civilização, muda de identidade e decide rumar a uma experiência “sem limites” pelo lado selvagem do Oeste norte-americano, é tão perigoso quanto redutor.
Enquadrar o filme de Sean Penn como mais um, em que um pós-adolescente rebelde decide largar o seu próprio universo familiar e descobrir-se numa outra realidade, numa outra vida, totalmente livre de todas as dependências materiais, é por si só, limitar a visão de Sean Penn do complexo conto de John Krakauer. Este jornalista-repórter da National Geographic que em 1996 editou o best-seller “Into the Wild” sobre a inebriante história de Chris McCandless. A história invulgar e apaixonante de um miúdo que transformou a sua existência e que Penn esperou dez anos para adaptar ao cinema.

(…) A cena em que Penn coloca Emile Hirsch a cantar a bordo de um comboio as palavras: “Trailer for sale or rent, rooms to let, fifty cents, No phone, no pool, no pets(…" é extraordinária. Num plano de câmara fantástico, em que a mesma se vai “evaporando” no ar, para de repente, entrar no universo da personagem de Chris a pernoitar no comboio, e, ao som de “King of the road” de Roger Miller (apropriadamente escolhida) vamos observando uma lógica de improviso do actor. Ele é Chris, ele é também uma espécie de “Hurricane” ou “Rocky Marciano” deambulando com os braços, como se nada o atingisse, é aí que rodando um sem número de vezes a cara na escuridão altiva da noite, (que Penn sob captar e fazer sobressair, apenas, a iluminada presença-luz de seu rosto) deitando-se lentamente no chão, ele se transforma num homem - pleno de realização. Aceita a sua condição de vagabundo aventureiro (no melhor sentido do termo) e demonstra-nos a felicidade da liberdade total. É um momento crucial do filme. Estou em crer que ao recorrer a uma reminiscência do sentimento da personagem, através da música “King of the road”, Sean quis revelar-nos um pouco sobre o amadurecimento da personagem Chris, uma possível interpretação: daí em diante, ele passa a ser homem. Esta cena é, para mim, um momento de iconografia cinematográfica que merece ser recordada em muitos e muitos anos de cinema. Arrepiante de tão bem conseguida. Estava capaz de perder-me nos meandros do que escrevo… mas prefiro não revelar tudo o que a cena provoca em mim.

No filme de Penn percebe-se a omnipresença da influência de realizadores tão diferentes como Clint Eastwood ou Alejandro González Iñárritu. Por exemplo a cena da conversa entre Chris e a Hippie - Jane, numa das noites, na cena em que são interrompidos para irem jantar, Chris apercebendo-se da perturbação de Jane pela recordação do passado, volta para trás e afirma: “(…) Because if you want, I´ll seet here all night with you”, podería muito bem ser de um filme de Eastwood. Sublimação do espírito humano, elevação da condição humana para a pureza moral nesta riqueza de diálogos que nos remete para obras como: “As Pontes de Madison County”.

Iñarritu, que trabalhou com Penn em “21 gramas” pode muito bem, inadvertidamente, ter criado em Sean - a sua nova forma de projectar o realismo da dor no cinema. Exemplos disso mesmo são a cena de desespero do pai (William Hurt) saindo à rua com a câmera trémula e a sequência final, com todo o sofrimento e a evidência de uma morte anunciada por desidratação e fome. Muito bem captadas pelo realizador. Ou, até mesmo a “auto-mutilação psicológica” de Chris ao aperceber-se de que havia morto um Alce em vão. Terá deixado mesmo, um escrito afirmando ter-se tratado de uma das maiores tragédias da sua vida.

Mas sobretudo, e não obstante do facto de Sean Penn ser considerado por muitos o maior actor norte-americano vivo, o que impressiona nesta obra é a prodigiosa direcção de actores. Independentemente de tratar-se dum núcleo de actores excepcionais, Penn consegue extrair de cada um deles a força poética que cada uma daquelas personagens transporta. Sean Penn afirmou numa entrevista recente a Charlie Rose, que o mérito é sempre dos actores, os realizadores só dão um pequeno contributo. Acrescentando no final da II parte da entrevista, que a interpretação de Emile Hirsch é a mais impressionante representação de um jovem actor, num filme norte-americano, em gerações e gerações. E eu, teimosamente, e com as “relativas” distancias – de pelo menos de 50 mil anos-luz de conhecer a realidade do cinema norte-americano, como ele conhece, terei mais uma vez que concordar. O engraçado é que desta vez nem estávamos a falar de correntes de opinião ou planos ideológicos, no que refere à política externa norte americana.
Bom! mas voltando a este jovem de um talento desmedido. Fiquei com a sensação de que existe uma força nova e jovem (o que nem sempre acontece em simultâneo) no cinema norte-americano.
Sim, é verdade! Foi-me completamente impossível não pensar em River Phoenix durante o mesmo. O vazio deixado estes anos todos por River, só agora foi preenchido. Hemile é o Sr. que se segue. A cumplicidade com a câmera de Penn, muitas das vezes, criam-nos a sensação de estarmos na presença de um documentário.

Quero também deixar claro, que não é pelo facto de considerar Penn (no panorama actual) uma das personalidades norte-americanas, vivas, mais interessantes, que reduzo uma critica ao pensamento acrítico. Passe a redundância. Pelo contrário!
E neste caso concreto, admito que houve momentos no filme em que parecia que o mesmo, nos conduziria para uma vertigem de enganos. Talvez os 20 min iniciais. Mas a certa altura, o filme deixa de parecer tanto com a trailer e transforma-se mais, num sufoco para todos sentidos.

Sean Penn não sendo exactamente um Tarantino, ou até mesmo, (numa outra escola) um Woody Allen, no que diz respeito a realizadores que não conseguem projectar uma imagem - sem lhe antecipar uma sonoridade; soube “refugiar-se” no talento de seu amigo Eddie Vedder, que perdoem-me os fãs, dispensa quaisquer restantes colegas de banda. Sean Penn começa também ele a ser um cineasta musical.
Falar sobre a música de Eddie Vedder em “Into the Wild” e uma vez mais, do efeito de voz interior da personagem, daria só por si uma critica à parte. Eddie nunca escreveu tão bem. E nunca o ouvimos cantar assim. “Society” é um grito de desespero de urgência. Maravilhosamente pertinente. Em “Hard Sun” - o seu background vocal a reproduzir o efeito do órgão é colocado, justamente, na cena final do filme. E isso, não será por um acaso. O Recurso à prosopopeia em “Hard Sun” – é constante: “When I walk beside her, I am the better man, when i look to leave her, I always stagger back again”(...)
Convertendo até, a mãe natureza, numa amante impiedosamente l(r)eal (sabemos tudo o que esperar dela): “When she comes to greet me, she is mercy at my feet, I see her inner charm, she just throws it back at me”(...) Once I dug an early grave, to find a better land, she just smiled and laughed at me and took her rules back again”.
Eddie Vedder em “Into the Wild” tem uma graciosa melancolia na sua voz. Chega a ser comovente em alguns momentos. Já agora não esquecer uma pérola chamada: "No Ceiling"

No final… tive a sensação de que poderia ficar a ver e ouvir a história de Chris McCandless eternamente. E se só dissesse isto, já seria dizer muito de “Into the Wild”. Que mérito maior poderia ter?


Continua...

3 comentários:

Unknown disse...

O filme surpreendentemente perturbante..assim como as tuas palavras..vai levar tempo ate recuperar..mto tempo..

Unknown disse...

"As grandes coisas espantam, as pequenas convencem"...és um especialista em detalhes..a maior parte deles extraordinários...

flávia disse...

boa, Tiga.
Agora fiquei instigada a ver, espero que chegue em breve cá no Brasil.