sexta-feira, 30 de março de 2007

Eclipse Oculto

Eclipse Oculto
Caetano Veloso
Composição: Caetano Veloso


Nosso amor não deu certo
Gargalhadas e lágrimas
De perto fomos quase nada
Tipo de amor que não pode dar certo
na luz da manhã
E desperdiçamos os blues do djavan
Demasiadas palavras
Fraco impulso de vida
Travada a mente na ideologia
E o corpo não agia
Como se o coração tivesse antes que optar
Entre o insecto e o inseticida
não me queixo eu não soube te ama
mas não deixo
de querer conquistar
uma coisa qualquer em você
(e a)o que será?
Como nunca se mostra
O outro lado da lua

Eu desejo
outro lado da sua
Meu coração galinha de leão
Não quer mais amarrar frustração
O eclipse oculto na luz do verão
Mas bem que nós fomos muito felizes
Só durante o prelúdio
Gargalhadas e lágrimas
Até irmos pro estúdio
Mas na hora da cama nada pintou direito
É minha cara falar
Não sou proveito
Sou pura fama
Refrão

Nada tem que dar certo
Nosso amor é bonito
Só não disse ao que veio
Atrasado e aflito
E paramos no meio
Sem saber os desejos
Aonde é que iam dar
E aquele projeto
Ainda estará no ar?
Não quero que você
Fique fera comigo
Quero ser seu amor
Quero ser seu amigo
Quero que tudo saia
Como o som de tim maia
Sem grilos de mim
Sem desespero, sem tédio, sem fim

quinta-feira, 29 de março de 2007

Rubrica: O livro do dia - O Que Diz Molero

Dinis Machado
Dinis Ramos e Machado nasceu a 21 de Março de 1930, em Lisboa. Viveu no Bairro alto até aos trinta e três anos. Foi jornalista desportivo no Record, Norte Desportivo, Diário Ilustrado e Diário de Lisboa. Organizou no principio da década de 1960 os primeiros ciclos de cinema da casa da imprensa e fez a critica na revista Filme. Praticou de tudo um pouco, do poema, à entrevista, e escreveu três livros policiais, com o pseudónimo de Dennis Mcshade, para a colecção de Bertrand "Rififi", que então dirigia.
O Que Diz Molero publicado pela primeira vez em 1977, constituiu um estrondoso êxito junto da critica e do público, tendo vendido mais de cem mil exemplares, e foi traduzido para espanhol, búlgaro, romeno e alemão.


in: O que diz molero

"Aos homens de palavras (os que delas vivem e por elas comunicam) O que diz Molero soa como música." António Mega Ferreira in Expresso

"Um livro consumado, definitivo. O que diz molero é um divisor de águas, um 25 de Abril deflagrado na literatura portuguesa, que nunca mais poderá voltar a ser a mesma após este livro visceralmente anárquico, múltiplo, mas acima de tudo criativo e perturbador"
José Alberto Braga in Jornal do Brasil

"O que diz molero é um livro que não ganhou uma ruga e que permanece fundamental"
Clara Ferreira Alves in Expresso

sábado, 24 de março de 2007

Elis não esteve presente ontem à noite

Por: tiago Pereira da Silva
Quinta-feira , 23 de Março pelas 22:00 (não considerando os lamentáveis atrasos) no teatro Tivoli – Lisboa não parou para homenagear uma das mais importantes cantoras da MPB.

Depois de algum aparato inicial de fotografias a algumas “figuras” públicas (não que eu tivesse visto alguma) o show começou com cerca de 20 minutos de atraso. Temos que perceber estas coisas, o espectáculo prometia e as donas tinham que estar a grande altura para o acontecimento.
Mas vamos ao show propriamente dito. Foi com algum agrado que constatámos (audiência) que o que aquela banda nos trazia de terras de Vera Cruz, não eram propriamente covers das canções mais emblemáticas da carreira meteórica de Elis. A ideia era sobretudo recriá-las e captar, segundo Maurício Gielman (o vocalista da banda), a emoção de Elis Regina no palco. Bom! É justamente aqui, que começou o problema deste concerto. Não a ideia de recriar Elis, essa pareceu-me, não só necessária como fundamental. Mas será que percebemos todos mal? Desculpe… falou da emoção de Elis no palco? Dava vontade de perguntar!


Aliás, considero mesmo que e não obstante de um certo descontrolo da afinação que se foi apoderando de Gielman ao longo da noite, este elemento não me transmitiu qualquer emoção, pelo contrário. Este pretendente a Ney Matogrosso dos tempos modernos, e, apesar de se perceber a admiração profunda pelo universo de Elis, talvez não tenha percebido que uma das grandes qualidades daquela cantora, era justamente de demonstrar em palco o seu turbilhão emocional interior. Que a faziam oscilar constantemente entre dois pólos. Bom, dir-me-ão: Mas não estarias à espera de uma coisa em todo semelhante? A resposta é óbvia! Claro que não.

Mas considerei este cantor, não só o pior elemento da banda, mas como a negação total de Elis em palco। Fui surpreendido, talvez, duas vezes durante a noite. E entenda-se, pela positiva. Constatei, que a banda (que aliás não tem nome) optou por fazer uma escolha arriscada mas feliz, uma profunda revisita ao álbum Vento de Maio não sendo dos mais conhecidos da cantora e não contendo os grandes sucessos de Elis, excepção de duas músicas mais popularizadas pelas mal afamadas novelas da globo, como Tiro ao Álvaro justamente o encore que fechou o espectáculo. Ao todo tocaram 4 músicas deste disco.

O arranjo totalmente diferente do popularíssimo tema de Rita Lee - Allo, Allo Marciano, foi para mim, dos momentos altos da noite. Mesmo assim, não deixei de encontrar profundas semelhanças com a versão Unplugged de Rita Lee. O famoso Madalena numa versão “apandeirada” foi muito suportável. Mas também remeteu-me, mais uma vez, para o seu original - de Ivan Lins.
A grande surpresa da noite foi um tal de Rafael Smith o teclista desta banda sem nome e sem lugar। Um talento não acompanhado pelos restantes elementos do grupo. Aliás é sabido da importância que Elis dava ao som das teclas e piano em seus trabalhos. César Camargo Mariano, seu marido, seu teclista, seu arranjador e director musical. Coincidência feliz suponho eu. Ou não!

Finalizando gostava de informar-vos que apresentarei queixa à produtora do espectáculo pela publicidade enganosa, no mínimo, devolverem o dinheiro mal empregue. Não.. não é o que estão a pensar. Se de que cada vez que não gostássemos - nos devolvessem cacau seria interessante. Mas então vou trasncrever a informação do espectáculo e que estava disponível na Internet, se não vejamos: (…) entre outros temas serão revividos ao longo de 90 minutos, num momento mágico e inesquecível, onde o som se irá embrulhar com imagens, vídeos e depoimentos Elis Regina.
Mas o que é isto?
Já não basta ter que aturar as trafulhices do senhor Sócrates. As anedóticas declarações do Sr Bush, ainda tenho que fingir que não sei ler. Querem nos acríticos, ou estupidificar? Uma coisa eu “quase” que posso garantir, com ou sem videos
: Elis não esteve presente ontem à noite!

quarta-feira, 21 de março de 2007

Elis: Revisitada...


TEATRO TIVOLI
23 a 24 Março 2007
Sexta e Sábado às 22h00 (abertura de portas às 21h30)
TEATRO SÁ DA BANDEIRA - PORTO
29 Março 2007


Quinta-Feira às 22h00 (abertura de portas às 21h30)
Em Março, Portugal vai parar para homenagear uma das mais importantes cantoras da música popular brasileira. A arte e o engenho de Elis Regina serão mais uma vez relembrados e eternizados através de 2 grandes espectáculos no Teatro Tivoli, (dias 23 e 24 de Março) e 29 de Março Teatro Sá da Bandeira-Porto. Para delírio dos milhares de fãs da “Pimentinha”, nome pelo qual a artista era conhecida, a banda liderada por Maurício Gielman irá fazer uma releitura dos seus grandes sucessos.

Fascinação, Romaria, Casa no Campo, Alô, Alô Marciano, Bêbado e o Equilibrista, Como Nossos Pais, Trem Azul, entre outros temas serão revividos ao longo de 90 minutos, num momento mágico e inesquecível, onde o som se irá embrulhar com imagens, vídeos e depoimentos de Elis Regina। Maurício Gielman, na voz; Rogério Miranda, na guitarra e violão; Denis Lopes, na viola baixo; Rafael Smith, no teclado; Rodrigo Veiga, na percussão e bateria e ainda um convidado especial que irá actuar no contrabaixo, serão os anfitriões de 2 noites inesquecíveis que assinalam 25 anos de eterna saudade. O Show conta também com uma produção cenográfica bastante requintada, tendo fotos da Elis em movimento com os artistas, projecção de videos, depoimentos de entrevistas da Cantora, um momento mágico para os Fãs.

in cartaz de apresentação
2007-03-07

segunda-feira, 19 de março de 2007

Rubrica : a ecolha do dia - Miss You


The Rolling Stones: Miss You (1978) from Some Girls

Um dos temas mais populares dos Stones da última metade da década de 70.
A sua insistente batida, muito característica da bateria de Charlie Watts e o acompanhamento baixo de Bill Wyman remetem-nos para o universo Nova-iorquino da época, estilo Studio-54 ou, "coisa que o valha".

Esta musica é, quanto a mim, um exemplo feliz da importancia destes dois extraordinários musicos dos Rolling Stones, frequentemente esquecidos e intencionalmente colocados na sombra de Mick Jagger e Keith Richards

Confesso que sou um grande fã deste tema dos Stones, celebrizado pela sua maravilhosa entrada....Mell Collins ... Já agora, vejam se advinham qual o instrumento que aparece no inicio e final da musica, que não é frequente nas musicas dos Stones???
Façam as vossas apostas e, digo isto, porque é normal a confusão com outro instrumento que é sugerido durante a audição. ;)


Por: Tiago Pereira da Silva

domingo, 18 de março de 2007

Tangled Up in blue

(...)
She was married when we firts met
Soon to be divorced
I helped her out of a jam, I guess
But I Used a little too much force
We drove that car as far as we could
Abandoned it out West
Split up on dark sad night
Both agreeing it was best
She turned around to look at me
As I was walkin´away
I heard her say over my shoulder
"Well meet again someday on the avenue"
Tangled up in Blue
(...)
Bob Dylan in Blood on the Tracks

sábado, 17 de março de 2007

The Greatest Rock'n'Roll Album Ever


The Rolling Stones: Exile On Main Street (1972)

Último grande álbum dos Stones (depois disso, já só haverá bons... e maus discos), este duplo é um autêntico saco, genial, totalmente explosivo, a pedra filosofal do rock enlouquecido. Gravado em condições aterradoras (drogas, desleixo absoluto, material defeituoso, etc.) representa a essência dos Stones. É um todo, contendo poucos sucessos ("Tumbling dice" ...), que se ouve de uma ponta à outra encadeando rocks speedados ("Rocks Off", "Rip this Joint", "Happy", "All down the line"), blues enferrojados ("Shake your hips", "Ventilator Blues"), country vociferador ("Sweet Virginia", "Torn and Frayed"), slows tórridos ("Let it Loose") e grooves suados ("Loving Cup"). Um monumento.

In: O Guia Pop-Rock 1950-1979 Vol. 1 FNAC

quarta-feira, 14 de março de 2007

Rubrica: A escolha do dia - the bottleneck master

Simplesmente maravilhoso este disco

Ry Cooder has long had an interest in other people's music, from the blues and gospel of black America through classic jazz and the music of Cuba. Even by this standard, his meeting with Mohan Vishwa Bhatt is certainly a departure. He is neither a serious student of Indian music nor in any way a master of its intricacies. Yet on his improvised session (this album was recorded without rehearsal in one evening), he and Bhatt truly collided musically and created moments worthy of the world-music Grammy they received for it. Bhatt is an iconoclastic character himself. He plays a modified box he calls the mohan vina that is a hybrid of a classical Indian instrument and slide guitar. He is long trained in the arduous classical style, yet his work has always demanded a lot of freedom. His duets here with Cooder are completely unique, liberating both artists from the usual constraints and creating a new musical style that is unlikely to be repeated or imitated. --Louis Gibson

domingo, 11 de março de 2007

Rubrica: A escolha do dia - Band of Gypsys


Jimi Hendrix - Inevitavelmente teria de falar dele um dia.
Aquele que fez meu irmão André gritar Eurekaaaaaaa!! - quando me ouviu a ouvir (passe a redundância) pela primeira vez aos 17 anos.

Ele é para mim o músico mais influente dos anos 60 e, seguramente, um dos mais influentes de todos os tempos. Hendrix fez com a guitarra eléctrica já na segunda metade da década de 60, o que nenhum outro guitarrista tinha conseguido fazer. Bem sei que Clapton foi apelidado uns quantos anos antes do aparecimento de Jimi - de Deus (Clapton is God) - escrito, por algum fã consciente, numa qualquer parede londrina. O próprio Jeff Beck ter-se-á aproximado muitíssimo de um legado que haveria, ironicamente, de ser iniciado por Hendrix. E digo irónicamente, reconhecendo em Beck o talento musical e o expoente máximo da guitarra inglesa dos anos 60.
Mas talvez exactamente por se tratar de um musico inglês e estar "instalado" numa sociedade de classes, que não lhe permitiram voar ainda mais alto. Beck hoje reconhece que gostaria de ter feito o que Hendrix fez, mas faltou-lhe coragem, e, (entenda-se) só coragem.


Jimi Hendrix começou a surpreender o mundo em 67 - Are you Experience ? Deixou-nos em setembro de 1970. Como é possível que Hendrix em apenas três anos tenha gravado como gravou ?
O seu contributo permanece, até hoje, acordado e o seu recital cénico e técnica inventiva de explorar os domínios da guitarra, continuam a influenciar todos os que se sentem maravilhados por aquele instrumento. Hendrix é imortal... não desculpem .. Hendrix não é deste mundo.


Reconhecido por muitos dos seus fãs, como um dos melhores discos gravados por Hendrix - Band of Gypsys é sobretudo um encontro feliz de três musicos negros, num dos seus registos preferidos - o palco. Hendrix era uma "bomba" prestes a explodir em palco; depois de ter gravado em estúdio sucessivos álbuns em apenas três anos de existencia musical, com músicos brancos - aqui sendo uma resposta, ou não, à repressão racial existente no final da década de ouro da musica -
Hendrix despede-se e maravilha-nos com o seu arsenal explosivo e faz com que hoje ainda recuperemos do seu impacto.


Para a minha grande amiga Luísa!
Que me mostrou o disco pela primeira vez.

Por: Tiago Pereira da Silva


Nearly 4 decades after his untimely death in September 1970, Band of Gypsys remains one of Jimi Hendrix´s most impressive achievements.
A touchstone for blues, funk, fusion, and rock, Band of Gypsys captured Hendrix´s quicksilver transition fromo pop phenomon to new uncharted territories. While their recorded output centers almost entirely around these fable Fillmore East Live recordings, the depth of trio´s influence extends, with full force, Throughout rock and hip-hop of the 1990´s.

John McDermott

quinta-feira, 8 de março de 2007

Rubrica: A escolha do dia - Marvin Gaye


Got to give it up, Part 1

(Gaye) 1977 Motown Record

(...) he hit again with "Got to Give It Up", the seductive homegrown dance groove which became a successful oddity in the age of disco. Ironically, the song speaks to Marvin's shyness and obsessional fear of dancing.
In Marvin´s Biography
É uma musica de um incrível potencial cinematográfico. Spike Lee apercebeu-se disso (como sempre) sendo um declarado fã de Marvin Gaye... fez uma arrojada cena de sedução no seu Summer of Sam. Mira Sorvino respira sensualidade, e, Spike Lee filma como ninguém um ambiente de um clube nocturno. Para quem tem dúvidas, é recorrer a alguns dos principais filmes da sua filmografia.

terça-feira, 6 de março de 2007

A Última Hora: O verdadeiro filme sobre o 9/11


A Última hora

Por: Tiago Pereira da Silva

Nem todas as fórmulas cinematográficas sobre o 11 de Setembro revelaram ser infalíveis. Bem pelo contrário. E estou a falar de filmes como produtos, ou obras da 7ª arte, e, até mesmo como sucessos de bilheteira. O ano de 2002 foi o ano do lançamento do filme A última hora (tradução portuguesa) que, ao que me recordo, foi venerado pela maioria dos críticos. Devo dizer, desta vez, que: não posso estar mais de acordo!
O filme é uma lição de cinema a todos níveis, sem desprezo pelas fórmulas clássicas e modernas. Mas não é só isso que importa referir aqui. O equilíbrio narrativo do mesmo, sustentado pela figura central Edward Norton (no seu melhor) que é de uma leveza e ao mesmo tempo de uma força que, em meu entender, faz este filme ter uma espessura e uma fórmula mágica. Norton é Monty Brogan que vive as 24 horas que precedem a sua recolha a uma penitenciária, onde irá cumprir sete anos de prisão por tráfico de droga.

A encenação e composição de Spike Lee são ao nível de obras como (Summer of Sam) – portanto magistrais. O ritmo narrativo é perfeitamente conseguido para transmitir a ideia de que o ser humano é prisioneiro do tempo. E nesta obra, as horas e os minutos são geridos com mestria a “conta-gotas”.
Norton é a figura central, gere a sua personagem com uma interpretação irrepreensível, de certa forma angustiada mas sobretudo revoltada e muitas vezes desesperada. A consistência da sua interpretação é aliada à força de um elenco secundário de luxo, com nomes tão importantes como: Philip Seymour Hoffman, Barry Pepper, Rosario Dawson, Anna Paquin, etc. Mas vamos esquecer os nomes, pois existe em cada um deles um desespero contido mas visível, e em crescendo – eles são as personagens. Não representam, vivem a dor e o medo.

O que me fez escrever sobre A última hora foi não só o facto de o ter revisto, mas a invocação, do brilhantismo, da cena da casa de banho. Monty que se encontrava na casa de banho do bar de seu pai, depara-se com algo escrito no canto inferior direito – a expressão Fuck You. A partir daí são 5 ou 6 minutos de pura magia cinematográfica. A sua personagem “leva-nos”, através de um monólogo, ao multifacetado e multi-complexo mundo étnico e cultural da sociedade nova-iorquina. A revolta de Monty por tudo o que lhe está acontecer e a gestão do seu sofrimento e revolta, terminam (ou começam) com uma complexa conversa consigo mesmo frente ao espelho. Fuck this city, and every one in it. A auto-paródia resultante de uma figura que fala consigo própria, como se fosse um anjo vs diabo, a culpar toda a cidade, etnias, credos e grupos sociais que se encontram nas ruas de Nova Iorque pela sua própria miséria.
Edward recita uma espécie de um rap em crescendo, como que falado – a ambígua e paradoxal visão do “estrangeiro em nossa casa”.

A fórmula soberba com que Spike Lee nos vai revelando a suposta “origem do mal” enquadrando a revolta da personagem com aquilo que seria o espelho social e o pensamento colectivo da Nova-Iorque do pós 11 de Setembro, aliada à auto-ironia do espelho como símbolo metafórico, fazem desta cena um ícone cinematográfico de tão simples e complexa que é.

O monólogo de: A última Hora (Spike Lee)

Transcrição em português. Perdoem-me se existirem alguns erros na tradução.

Vai-te tu foder, toda esta cidade e todos os que vivem nela.
Fodam-se os ambulantes vendendo comida e a pedir dinheiro,
e rindo de mim pelas costas.
Fodam-se os lavadores de vidros de carros
Sujando o pára-brisas – limpo do meu carro.
Arranjem um maldito trabalho.
Fodam-se os Sikhs e os paquistaneses que
voam pelas avenidas com os seus táxis fodidos,
com caril exalando pelos poros, empestando todo o meu dia
terroristas em treino. Parem com essa merda!
Fodam-se os Chelsea Boys.
Com os seus peitos encerados e os seus bicipes bombeados
Indo por aí fora em direcção aos meus parques e aos meus cais
Mostrando os seus paus no canal 35!
Fodam-se os donos das mercearias coreanas
Com as suas pirâmides de fruta caríssimas
E as sua tulipas e rosas embrulhadas em plástico.
Dez anos neste país e ainda não sabem falar inglês.
Fodam-se os russos de Brighton Beach.
Mafiosos sentados nos cafés, a beber chá com óculos escuros
Com cubos de açúcar no meio dos dentes,
Andando, negociando e planeando.
Voltem para a vossa maldita terra.
Fodam-se os Hasidim e os seus chapéus pretos
a subir e a descer pela rua 47 th
nas sua gabardinas sujas com caspa deles,
vendendo diamantes sul-africanos frutos do apartheid.
Foda-se o pessoal de waal street.
Pretensiosos e mestres do universo.
Armados em filhos da puta Michael Douglas-gordon gekko
Imaginando maneiras de roubar trabalhadores inocentes
Completamente “Cegos”.
Mandem esses desgraçados da Enron para a cadeia
Para toda a vida.
Pensam que o Bush e o Cheney não sabiam nada dessa merda?
Não me façam rir.
Fodam-se os porto-riquenhos.
Vinte paus por cada carro, enchendo a lista do serviço social.
A pior parada desta cidade.
E não me deixem começar a falar dos dominicanos,
Porque fazemos porto-riquenhos parecerem bons.
Fodam-se os italianos de Bensonhurst com os seus cabelos
De palmeira e os seus sobretudos de nylon, os seus medalhões do santo.
Balançando os tacos de baseibol do da época que o Jason
Estava a tentar as audições para os “Sopranos”
Fodam-se as viúvas do Upper East Side com os seus lenços
E as suas cicatrizes Balducci de 50 dólares.
As sua caras gordas sendo puxadas, esticadas e levantadas para ficarem firmes e brilhantes.
Tu não enganas ninguém, queridinha.
Fodam-se os irmãos Uptown.
Eles nunca passam a bola, eles não querem defender,
Eles dão sempre 5 passos de cada vez que vão fazer um
Layup e depois querem dar a volta e por toda a culpa nos brancos.
A escravidão acabou há 137 anos. Sigam em frente.
Fodam-se os polícias corruptos e a sua mania dos 41 tiros.
Escondendo-se atrás do muro azul do silêncio.
Vocês traíram a nossa confiança.
Fodam-se os padres que colocam as suas mãos nas calças de
Crianças inocentes. Fodam-se as igrejas que os protegem,
entregando-nos ao diabo. E já que estamos nesta, foda-se o
J.C. Ele livrou-se facilmente …
Um dia na cruz, uma semana no inferno, e todas as aleluias de
Uma legião de anjos pela eternidade.
Tenta ficar 7 anos na maldita Otisville, J.
Foda-se o Osama Bin Laden, Al Qaeda, e os desgraçados
Dos que cavam as cavernas – idiotas fundamentalistas
de todo o mundo.
Em nome de milhares de inocentes assassinados,
Eu rezo paraque passem o resto da vossa eternidade
com as vossas armas de merda arder no inferno
com o fogo da gasolina dos “aviões”.
(…)
Poderá ser visto na íntegra no Youtube: 25th Hour

segunda-feira, 5 de março de 2007

O´Questrada: Qualquer coisa mudou no panorama musical português...

O fenómeno musical que veio do lado de lá... bem do lado do cu do Cristo Rei!
O´questrada segundo Tiago Pereira da Silva

Esta é uma daquelas tarefas ingratas. Escrever sobre esta banda que transformou a minha mente. Que fez surgir algo de novo.
Quer dizer... Para quem já os viu e me pode entender um pouco melhor, os O´questrada são anti-classifcações... são o que eu chamaria de Worldmusic sem o conceito actual do mesmo. São uma indefinição no melhor sentido do termo.
São, para mim, o maior fenómeno musical surgido em Portugal nos últimos tempos.
Sim vou tentar não dizer mais nada.. porque tudo fará mais sentido - ouvindo os O´questrada.

Rubrica: A escolha do dia -


O Medo de Amar é o Medo de Ser Livre do álbum Vento de Maio

Composição: B.Guedes/F.Brant

Por: Tiago Pereira da Silva

A "nossa" pimentinha (alcunha simpaticamente colocada por Vinicius de Moraes fruto do seu , tantas vezes reconhecido mau génio) aventura-se num prodigioso tema que sem a sua interpretação perdia a sua mais que nítida adjectivação.

Estou em crer tratar-se de um dos mais geniais discos de Elis, com temas muito pouco conhecidos até dos mais aficionados fãs da cantora. Aqui não temos nenhum dos grandes "hits" mas temos Elis e a companhia da sua super banda no final do ano de 78 e inicio de 79. Um dos resultados mais impressionantes da dupla Elis/César Mariano. No tema que invoquei em cima, podem "partir a cabeça" a tentar adivinhar quem é que toca aquela guitarra excepcional.

Oiçam também o arrombo de sua voz no tema Calcanhar de Aquiles conjugado, na perfeição, com um walking piano de César Camargo Mariano. Ou porque não, o tema que Gilberto Gil fez para si - Rebento.
Nunca procurei uma lista, daquelas que serão consideradas pelos críticos como as maiores cantoras de musica do século XX. Mas nem preciso. (E, não considerando cantoras como Maria Callas associadas ao canto erudito).
Já sei que devem ser todas norte-americanas.
Para mim Elis seria presença fixa em qualquer lista das dez mais importantes e influentes cantoras de sempre, a par de nomes como Bessie Smith, Billie Holyday, Ella Fitzgerald, Nina Simone, para não citar outras.


O medo de amar é o medo de ser
Livre para o que der e vier
Livre para sempre estar onde o justo estiver
O medo de amar é o medo de ter
De a todo momento escolher
Com acerto e precisão a melhor direcção
O sol levantou mais cedo e quis
Em nossa casa fechada entrar
Prá ficar O medo de amar é não arriscar
Esperando que façam por nós
O que é nosso dever: recusar o poder
O sol levantou mais cedo e cegou
O medo nos olhos de quem foi ver
Tanta luz

domingo, 4 de março de 2007

O Poço

Afundas-te às vezes, cais
no teu fosso de silêncio,
em teu abismo de cólera orgulhosa
e só a custo consegues
regressar, mas ainda com vestígios
do que achaste
nas profundezas da tua existência.

Meu amor, o que encontras
no teu poço fechado?
Algas, lama, rochas?
Que vês de olhos cegos
rancorosa e ferida?

Vida minha, no poço
onde cais não acharás
o que no alto guardo para ti:
um ramo de jasmins orvalhados,
um beijo mais fundo do que o teu abismo

Não tenhas medo, não caias
de novo em teu rancor
Sacode as palavras que te feriram
e deixa que voem pela janela aberta.
Elas voltarão a ferir-me
sem que tua as dirijas,
pois foram proferidas em momento de dureza
e esse momento será desarmado em meu peito.

Sorri para mim radiosa
se a minha boca te fere.
Não sou um pastor brando
como os dos contos de fadas,
mas um bom lenhador que reparte contigo
terra, ventos e espinhos dos montes.

Ama-me tu, sorri,
ajuda-me a ser bom.
Não te refiras a mim, que será inútil,
não me firas a mim porque te feres.

Pablo Neruda in Os Versos do Capitão

sexta-feira, 2 de março de 2007

quinta-feira, 1 de março de 2007

Rubrica: A escolha do Dia - "João Gilberto de saias"


Rosa Passos: Canta Caymmi (2000)


Por: Tiago Pereira da Silva

Continuando no universo da musica brasileira, mais concretamente dos sambas-canção e bossa-nova, gostaria de dedicar a escolha de hoje a outra cantora, que infelizmente, é pouco reconhecida pelo grande público. Confesso que a primeira vez que ouvi um jornalista referir-se a Rosa Passos como João Gilberto de saias não achei particularmente elogioso. Essa mania irritante dos jornalistas encontrarem sempre uma referencia. Mais tarde pensei o negócio deve ser sério mesmo. Rosa Passos é o melhor da Bossa-nova da actualidade. Não sendo propriamente uma "novata" Rosa tem hoje a maturidade artística e melódica que reconhecemos exactamente aos grandes intérpretes. Este disco é, para mim, o expoente máximo dessa expressão no canto e violão de Rosa Passos, se calhar exactamente por encontrar-se com o universo do seu novo e velho amor - Dorival Caymmi: Procure ouvir a versão deste disco de: Milagre, Vatapá e Vestido de Bolero. É por essas e por outras, que o meu coração musical está tantas vezes ao sul do equador.

FICHA TÉCNICA
Produtor: Almir Chediak
Don Chacal: percussão Erivelton Silva: bateria Fábio Torres: piano Jaguara: percussão Jorge Helder: baixo acústico Lula Galvão: arranjos, violão e cavaquinho Paulo Paulelli: baixo acústico Rodrigo Ursaia: sax tenor e flauta Sérgio Galvão: sax soprano


Crítica de Tárik de Sousa:

A Bahia deu régua e compasso ao samba nascido nas casas das tias festeiras que se estabeleceram no centro do Rio no começo do século. Mas o samba propriamente baiano tem peculiaridades que o mestre Dorival Caymmi poliu e sofisticou para uso nacional. O emprego de acordes alterados em seus temas buliçosos de aparência simples transformaram a obra do compositor numa via de mão dupla da tradição com a modernidade. Não por acaso, tanto a bossa nova de João Gilberto quanto o tropicalismo de Caetano Veloso e Gilberto Gil, para ficar apenas nos conterrâneos, utilizaram seus alicerces semoventes. A também baiana Rosa Passos é discípula declarada do minimalismo joãogilbertiano de quem assimilou o diálogo intenso com o violão e o fraseado de recorte rítmico elaborado. Voz curta que prefere a insinuação e o sombreado à nota ferida, Rosa singra os vários Caymmis. O sincopado e dengoso aquarelista de Você Já Foi à Bahia?, Vatapá, Rosa Morena, Samba da Minha Terra e Vestido de Bolero e o épico expressionista das marinhas Milagre e O Bem do Mar. O remansoso dos sambas canções de sua fase carioca (Marina, Só Louco, Sábado em Copacabana, Você Não Sabe Amar) e o inovador nas aliterações rítmicas (Doralice) capaz de casar valsa & bossa (Das Rosas). Centrado nos arranjos e violão de Lula Galvão e numa pequena base instrumental, Rosa Passos Canta Caymmi realça com delicadeza e despretensão a presença gigantesca do Buda Nagô (como o chamou Gilberto Gil) na MPB.