domingo, 14 de dezembro de 2008

We are the World



Estimados seguidores deste blog, a propósito de canções de solidariedade que by the way Os Contemporâneos souberam parodiar tão bem no último episódio, escrevo-vos sobre, e imaginem só – “We are the World”. Bem sei que parecer-vos-á estranho, ou muitíssimo estranho até, mas, não querendo debruçar-me sobre a polémica música de “solidariedade” (com umas aspas - enormes) de alguns dos maiores autores Norte americanos do séc. XX da chamada canção popular, para angariar um fundo monetário de apoio ao Continente Africano (costuma dizer-se, de boas intenções está um inferno cheio) e digo polémica porque nunca ficou claríssimo se a musica, de quem se diz: da autoria de Michael Jackson, terá mesmo sido escrita por este ou, ao invés, Lionel Richie como muitos apregoam. Quincy Jones que a produziu, deve ter qualquer coisa a dizer sobre isto. (Risos)
Concentremo-nos no vídeo portanto!
E poderá facilmente ser encontrada uma versão no youtube.
Não deixa de ser extremamente irónico Michael Jackson entrar com a parte “We are the World, we are the children”. Ok! vou deixar-me de piadas parvas e vou respeitar o gosto que (Michael) toda a vida nutriu por criancinhas, até porque não foi isso que me levou a escrever sobre a musica.

A reunião de nomes como Ray Charles, Bob Dylan ou Paul Simon dentro deste contexto musical é logo à partida de arrepiar. De estranheza claro.
Mas se ouvirmos atentamente a musica desde o inicio, deparamo-nos aos 04:50..e tal… da mesma, com a entrada impetuosa de Ray Charles, quase parecendo anunciar o que aí vinha. A combinação das vozes de Stevie Wonder e Bruce Springsteen é, quanto a mim, arrebatadora. Talvez das mais felizes de toda a canção e o momento de maior originalidade melódica. Sobretudo Stevie é mesmo brilhante… Não sei se terei ouvido muitos timbres de vozes assim. Stevie parece competir com cada um de seus parceiros, num desafio vocal que deixa a concorrência a milhas e milhas distancia.
Lembro-me da época em que a musica saiu, tinha para aí uns 5 anos, passado todo este tempo, percebo muito melhor porque é que a mesma terá ficado no meu imaginário ou memória musical. Fundamentalismos à parte (lol) Desafio o leitor a encontrar alguém que cante como Stevie Wonder nesta musica.

Por: Tiago Pereira da Silva

“Quem se atreve a me dizer…”




Los Hermanos

Por: Tiago Pereira da Silva

Quem se atreve a me dizer que estes senhores não são/(eram?) uma das melhores bandas da actualidade?
Como chegou a sugerir Pedro Adão e Silva: a melhor banda a fazer rock em português. Que inteligentemente chamou a atenção para mais um aspecto de extrema importância no universo do rock, a confluência de duas guitarras numa banda. Existem inúmeros exemplos de como é muitíssimo difícil.
Então com este cessar, já longo, de actividade por parte dos membros de Los Hermanos lembrei-me por diversas razões de Los Hermanos como uma espécie de “Beatles” brasileiros. E os próprios membros da banda que me perdoem a imensa ousadia, mas vejo a força da criação colectiva numa banda de rock (por mais que os possamos encaixar noutros estilos) tal como identificava nos fab-four. Um Lennon/McCartney como Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante. A individualidade e originalidade parecem desafiar um e o outro. Mas enquanto membros da banda. Um individuo ao serviço do colectivo. Quer John Lennon, quer Paul McCartney nunca chegaram a compor um tema (em suas carreiras a solo), ao nível de grandes temas, enquanto Beatles. Penso que muitos criticos concordarão com esta apreciação.
Vejo mais paralelos entre Los Hermanos e os Beatles. Quando penso por exemplo, que o grandíssimo George Harrison numa de suas últimas gravações, fez uma cover de “Anna Júlia”.
Mas não é só isso que dignifica a musica, muito menos, por tocar vezes sem conta nas Rádios, numa até, alguns anos atrás galopante banalização militante. Mas como diria Amarante, parece que pelo facto de vender e fazer sucesso já é sinónimo de mediocridade. Parece que incomoda as pessoas.
Eu vejo-a como uma espécie de “She Loves You” de Los Hermanos. E é tão redutor avaliar Los Hermanos por ela, como os Beatles por “She Loves you” É inqualificavelmente superior o segundo período de criação dos Beatles, em termos de criação musical (65-69), relativamente ao primeiro (62-64). Curiosamente corresponde ao período de menor sucesso comercial da banda. Muito embora estejamos a falar claramente de um exemplo onde o popular convive de mãos dadas com a qualidade e excelência, ou não fossem eles a “maior máquina de fazer música de todos os tempos”.
Pois bem, com Los Hermanos acontece algo semelhante… é preciso ouvi-los. E tudo se impõe naturalmente. “4”, “Ventura” ou “Bloco do eu sozinho” são tão importantes na música contemporânea feita em português, como foram alguns dos discos dos fab-four para a Inglaterra dos anos 60.
Ir um pouco ao encontro das figuras, Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante como cantores/compositores/letristas, sobretudo enquanto cidadãos e como olham para o mundo. O entusiasmo é ainda superior quando a relacionamos com estes discos de Los Hermanos.
Aliás a sua relação com a indústria musical é sui generis, a própria forma como desafiam o Statu Quo - deveria ser ensinada em algumas escolas de formação musical. Não via/ouvia alguém tão provocativo, critico, corrosivo para um determinado tipo de imprensa como Rodrigo Amarante, há muitos anos. Aliás, para os mais curiosos, poderão dar uma espreitadela no Youtube: qualquer coisa como Rodrigo Amarante Vs Repórter é sublime de tão lúcido, o seu ataque ao repórter. A fazer lembrar um estilo Dyliano moderado. (Risos)

O surgimento de Rodrigo Amarante no 2º álbum “Bloco do Eu Sozinho” com composições como "Sentimental" ou "Cher Antoine" trazem uma nova dinâmica ao grupo. A primeira, para mim, um dos temas mais bem feitos que ouvi nesta década musical do Brasil. Passamos a ter Camelo e Amarante numa espécie de diálogo individual, para a construção de uma narrativa colectiva.
O espaço do teclista Bruno Medina na banda, passa a ser do tamanho do seu talento - como magnifico instrumentista que de facto é.
Se observarmos o videoclip oficial da música “Condicional” deparamo-nos com outra interessante realidade em cada um destes quatro músicos se insere. A total “despreocupação” (leia-se no bom sentido do termo) com a imagem… o visual quase descuidado, barbas do tamanho de um revolucionário cubano.
O oposto do que as grandes produtoras musicais procuram hoje em dia.
Tudo isto cria uma forma muito própria de estar no universo fonográfico, parecendo dizer: nós só estamos aqui para fazer música com afecto e sinceridade. Da melhor forma que sabemos.
Nós, agradecemos.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Chuva...



Por: Tiago Pereira da Silva


Confesso que não sou fã de Mariza.
Ando muito mais pela praia de Ana Moura ou até mesmo de Cristina Branco.
Qualquer uma das últimas, sente-se privilegiadamente bem num universo não-fado.
Mas devo também salientar, que esta, é uma daquelas versões que me fez encostar o carro, para um ouvir de verdade.

Não sendo extraordinária a versão de estúdio, importa por isso, prestar atenção à versão do concerto em Lisboa. Aqui a reunião feliz de alguns talentos potencia de sobremaneira a intensidade poética com que Mariza interpreta o tema. Talvez dos poucos, perdoem-me os fãs, em que ela não me causa alguma irritação. Com um arranjo de cordas irrepreensível do maestro Jaques Morelenbaum, que dispensa quaisquer apresentações (escusado será dizer que foi o último director musical de António Carlos Jobim ou num passado mais recente – Caetano Veloso), com a Sinfonietta de Lisboa, tornando o intervalo melódico da voz de Mariza uma ampliação do sentimento expresso na letra de Jorge Fernando.

Mas se me permite, caro leitor, gostaria de sublinhar o trabalho da guitarra portuguesa de Luís Guerreiro (um dos grandes interpretes contemporâneos deste instrumento). Perdoem-me mais uma vez a adjectivação - mas sublime. Parece querer transmitir-nos, desde os primeiros acordes, a proximidade com o universo lusitano. Essa melancolia tradicionalmente portuguesa, profundamente embebida, numa esperança sebastianista. Eu sei que este texto começa a parecer lamechas… (risos)… Mas aquele solo de guitarra é assombrosamente revelador da nossa identidade cultural. Finalizo dizendo: é completamente impossível não pensar em Carlos do Carmo na parte final do canto de Mariza. Essa parte final do seu canto, é talvez maior, que qualquer homenagem que Mariza pudesse fazer ao nosso Sr. fado.

As coisas vulgares que há na vida
Não deixam saudades
Só as lembranças que doem
Ou fazem sorrir

Há gente que fica na história
da história da gente
e outras de quem nem o nome
lembramos ouvir

São emoções que dão vida
à saudade que trago
Aquelas que tive contigo
e acabei por perder

Há dias que marcam a alma
e a vida da gente
e aquele em que tu me deixaste
não posso esquecer

A chuva molhava-me o rosto
Gelado e cansado
As ruas que a cidade tinha
Já eu percorrera

Ai... meu choro de moça perdida
gritava à cidade
que o fogo do amor sob chuva
há instantes morrera

A chuva ouviu e calou
meu segredo à cidade
E eis que ela bate no vidro
Trazendo a saudade


José Fernando

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Carta de omaggio a Cassandra Wilson


Por: Tiago Pereira da Silva

Ouvimos constantemente música. Estamos constantemente a ser bombardeados de sons, música de elevador, música nos ginásios, átrios de hotel, barulho, ruídos, etc. Lembro-me de ouvir numa entrevista, Adriana Calcanhotto dizer a Ana Sousa Dias que: “Temos música a mais no planeta, existe um excesso de música, em todos os sítios por onde passamos hoje”. Não só partilho da opinião de compositora, como acrescentaria:
É essa canseira musical que não nos permite, muitas vezes, prestar atenção em algumas coisas extraordinárias que se vão fazendo por esse mundo fora.

O meu primeiro contacto com a música de Cassandra Wilson deu-se em 1999, num daqueles insistentes zappings pela Tv. Foi então que sintonizando o canal Mezzo, reconhecido canal francês pelo seu mérito musical, apercebi-me da força negra de uma cantora americana com um dos mais belos perfis de mulher que alguma vez tinha visto. Ao mesmo tempo que o deslumbramento ia se multiplicando em mim, essa tal cantora desconhecida (para mim) parecia aperceber-se disso e reticente, ria-se para mim. Depois começou a vislumbrar-se a construção natural de um novo projecto musical em minha pessoa. Como ouvi alguém dizer um dia: “Ela só me surpreendeu uma vez, quando a conheci e a ouvi cantar. Foi uma surpresa tão grande e tão profunda que ainda hoje vivo sobre o seu impacto”.

O Homem precisa de arte porque tem alma, foi o que me ocorreu intuitivamente. A voz baixo desta cantora do Mississipi teve um impacto tão forte, que só descansei quando comecei a procurar toda a sua discografia… a tal mulher do perfil inesquecível. Bom! então a escolha recaiu sobre o seu disco de homenagem a Miles Davis – o soberbo “Travelling Miles” com um duplo sentido. Ficamos automaticamente rendidos com o tema de abertura “Run the voodoo Down”, talvez o mais jazzistico álbum de Cassandra Wilson”.


Concebido inicialmente como um meio de experimentar outros universos musicais, a cantora maravilha-nos com o disco “Belly of the Sun”.
Cada faixa de abertura de um disco de Cassandra parece determinar a sua nova intenção musical “The Weight” dos The Band fica a contemplação do que significa para os músicos a palavra – arranjo. O bem-aventurado “You gotta move” revelam uma cantora muito bem aconchegada num registo Blues. “Waters of March” de Tom Jobim e “Only a dream in Rio” canção de James Taylor de tributo à música brasileira, fazem a cantora reencontrar a Bossa Nova, imprimindo-lhe um sofrimento mais típico do Blues e a sofisticação nítida do Jazz embebida no universo da Country… uma das suas maiores paixões, e, importante fonte de inspiração musical.
No outro dia, ouvindo Pedro Almodôvar dizer que considerava Bebel Gilberto a sua cantora preferida da actualidade, pus-me a pensar se esta seria merecedora de tamanha honra e distinção por parte do realizador espanhol.
Mas o que é que isso interessa…não é de todo importante.
Uma representa um pequeno rio e a outra um imenso oceano musical. Não que sejam comparáveis. Fui buscar isto para dizer que Cassandra Wilson, para mim, representa a força musical de todo aquele continente chamado América. Ela reúne todos aqueles sons em sua música, desde o norte (Blues, Country, Jazz, Soul, Rock and Roll) ao Central Reggae e a Bossa Nova do Sul. Não há nada para ela que não posso ser reinventado. Nada que lhe pareça estar oculto numa canção e que não arranje sempre forma de ser revelado.