sábado, 6 de dezembro de 2008

Chuva...



Por: Tiago Pereira da Silva


Confesso que não sou fã de Mariza.
Ando muito mais pela praia de Ana Moura ou até mesmo de Cristina Branco.
Qualquer uma das últimas, sente-se privilegiadamente bem num universo não-fado.
Mas devo também salientar, que esta, é uma daquelas versões que me fez encostar o carro, para um ouvir de verdade.

Não sendo extraordinária a versão de estúdio, importa por isso, prestar atenção à versão do concerto em Lisboa. Aqui a reunião feliz de alguns talentos potencia de sobremaneira a intensidade poética com que Mariza interpreta o tema. Talvez dos poucos, perdoem-me os fãs, em que ela não me causa alguma irritação. Com um arranjo de cordas irrepreensível do maestro Jaques Morelenbaum, que dispensa quaisquer apresentações (escusado será dizer que foi o último director musical de António Carlos Jobim ou num passado mais recente – Caetano Veloso), com a Sinfonietta de Lisboa, tornando o intervalo melódico da voz de Mariza uma ampliação do sentimento expresso na letra de Jorge Fernando.

Mas se me permite, caro leitor, gostaria de sublinhar o trabalho da guitarra portuguesa de Luís Guerreiro (um dos grandes interpretes contemporâneos deste instrumento). Perdoem-me mais uma vez a adjectivação - mas sublime. Parece querer transmitir-nos, desde os primeiros acordes, a proximidade com o universo lusitano. Essa melancolia tradicionalmente portuguesa, profundamente embebida, numa esperança sebastianista. Eu sei que este texto começa a parecer lamechas… (risos)… Mas aquele solo de guitarra é assombrosamente revelador da nossa identidade cultural. Finalizo dizendo: é completamente impossível não pensar em Carlos do Carmo na parte final do canto de Mariza. Essa parte final do seu canto, é talvez maior, que qualquer homenagem que Mariza pudesse fazer ao nosso Sr. fado.

As coisas vulgares que há na vida
Não deixam saudades
Só as lembranças que doem
Ou fazem sorrir

Há gente que fica na história
da história da gente
e outras de quem nem o nome
lembramos ouvir

São emoções que dão vida
à saudade que trago
Aquelas que tive contigo
e acabei por perder

Há dias que marcam a alma
e a vida da gente
e aquele em que tu me deixaste
não posso esquecer

A chuva molhava-me o rosto
Gelado e cansado
As ruas que a cidade tinha
Já eu percorrera

Ai... meu choro de moça perdida
gritava à cidade
que o fogo do amor sob chuva
há instantes morrera

A chuva ouviu e calou
meu segredo à cidade
E eis que ela bate no vidro
Trazendo a saudade


José Fernando

1 comentário:

Anónimo disse...

Oh, meu amigo. Há tanto tempo aqui não vinha dar uma espreitadela e presenteias-me com um brilhante comentário ao meu fado preferido (e versã preferida!!) de um fado da Mariza, de quem sou fã!

E cada vez escreves melhor...Hoje com um "CAro Leitor" à GArrett!!!
ISSo vai, amigo. Isso Vai...
Grande beijinho, mas grande do tamanho da amizade que nos une...

Temos de combinar uma janta...beijinho