quinta-feira, 29 de maio de 2008

Cat Power - Fascínio e intimidação



Por: Mário Lopes (****)

As luzes, todas as luzes do Coliseu estão acesas. O público, de pé, aplaude. O concerto terminou há uns bons dez minutos e pede-se encore. O encore é isto: Cat Power fazendo pantomina em palco, disparando imaginárias setas de Cupido ao público, atirando-lhe flores, atirando-lhe alinhamentos dispersos. No esgotado Coliseu lisboeta, nem sinais da mulher que há alguns anos, em Matosinhos, terá esgotado a paciência de um público devoto com humor etílico imprevisível.
Ali, a Cat Power que ascendeu de figura de culto indie a fenómeno transversal - demonstrou-o na reverência prestada por um público etária e esteticamente heterogéneo. Ali, uma intérprete arrebatadora, culpa de uma voz quente e expressiva, que parece sentir o peso de cada palavra, culpa de uma banda de eleição formada por Judah Bauer, da Blues Explosion, o baterista Jim White, dos Dirty Three, o baixista Erik Paparazzi e o antigo líder dos Delta 72, Gregg Foreman, aqui convertido aos teclados. São eles que, durante duas horas, a conduzem com precisão e destreza de combo soul pelas versões de Jukebox e pelas canções de The Greatest que compuseram a maior parte de concerto tão inesquecível quando repleto de imperfeições.
Entenda-se: muito do que Cat Power tem de arrebatador nasce, também, da indecisão do gesto, da forma como, enquanto swinga pelo palco no cimo das suas botas brancas, parece mover-se a um ritmo diferente do das canções - como se o palco fosse espaço de libertação que, paradoxalmente, traz consigo uma dose considerável de desconforto.
No início, ouvimos uma banda e uma vocalista tacteando o som e o ambiente: A Woman Left Lonely, de Janis Joplin, ou New York, de Sinatra, revista como blues negro. Cat Power tossindo para aclarar a voz e a banda a alinhar-se com o momento. Crescendo. A catarse de Metal Heart, o original de Moon Pix revisto em Jukebox, e Blue, na versão de Joni Mitchell (Cat Power, um Rhodes e o baixo) em que a voz se transformou em eco preenchendo a sala.
Banda e vocalista eram já um só. Os músicos dão-lhe a delicadeza aveludada de The Moon ou Lived in Bars (duas de The Greatest), dão-lhe o stomp soul de Satisfaction, tal como explicado por Otis Redding. O que se segue resume o concerto. Um atabalhoado Angelitos Negros, de Roberta Flack, e ela apoiada numa folha com a letra. Quando termina, pede que acendam a iluminação. Lança-se ao clássico I"ve Been Loving You Too Long, de Otis Redding, a banda cresce com fervor Booker T & The MGs e vemos Cat Power transformada em soul woman de coração exposto. Já não há memória das indecisões e da mediania do início.
Nesse turbilhão soul, e antes de ficar em palco dez minutos fazendo pantomina e agradecendo os aplausos incessantes, Cat Power desce à plateia. O público quer abraçá-la (não é afinal isso que se faz com as estrelas?), mas há algo nela que o intimida. Numa das suas canções, ouvimo-la perguntar: "When I lay me down, will you still be around?" Não damos resposta. Estamos a centímetros dela, mas só conseguimos admirá-la à distância.


in: Jornal - Público

Comentário:
Revejo-me, particularmente, nas palavras do jornalista/cronista Mário Lopes sobre a sua análise, em minha opinião, muito objectiva e imparcial dos acontecimentos do próprio concerto.
De uma maneira ou de outra, penso que é sempre "arriscado" ir para um concerto, demasiado absorvido pelo registo de estúdio, ou, como parece ser o caso da maioria das opiniões que vou “encontrando” (desfavoráveis à actuação de Cat Power e sua banda), no último concerto dado. Ainda para mais como parece ser o caso, tendo sido manifestamente feliz.
Por outro lado parece haver cada vez mais uma espécie de paranóia expectante sobre o alinhamento de espectáculos... como se o/a artista em questão, fosse "obrigado/a" a revisitar repertório e com passagem obrigatória pelos "hits" ou consagrados. Eu distancio-me cada vez mais desta lógica de actuação. Aliás basta analisar a reacção do público quando Cat Power revisitou temas do álbum “The Greatest” já para não falar de alguns mais antigos.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Cat Power no Coliseu dos Recreios




Na minha curta vida e no meu, de certa forma limitado, role de espectáculos assistidos, desde pelo menos 1995... fazem do espetáculo de ontem à noite uma ampliação do óbvio -
Chan Marshall além de ter criado um novo projecto musical na minha pessoa (como já havia referido a respeito de outra crónica), mais, entrou para um leque restrito de músicos/artistas que prefiguraram na minha memória estética musical, quem sabe durante todo o tempo de uma vida.

Lembro-me da 1ª vez que vi os Stones em Alvalade, lembro-me do emblemático concerto dos AC/DC no Restelo; dos Van Halen claro; de múltiplos e interessantíssimos artistas que pisaram diversos palcos da Festa do Avante ao longo de anos e anos (o leque é tão extenso que não caberia numa folha A4); mais recentemente de Maria Rita no Coliseu; de Bernardo Sassetti no CCB; numa outra dimensão um espectáculo a solo de Caetano Veloso no Coliseu do Porto, em que sua versão de Currucucucu Paloma terá por certo, atingido o Olimpo; de João Bosco e Gonzalo Rubalcaba no CCB, sinceramente talvez o melhor concerto que tenha visto até hoje de artistas não anglo-saxónicos; sem esquecer claro exactamente à um ano atrás a Dave Matthews Band no Atlântico num concerto irremediavelmente inesquecível. Lembro-me de alguns momentos de cada um como se fosse hoje. É desse impacto que falo quando recordo o concerto de Cat Power e a Dirty Delta Blues Band ontem à noite no Coliseu dos Recreios. Estou certo que ficarei sob o seu efeito durante muito tempo.

Com um Coliseu esgotadíssimo e um atraso de pelo menos meia hora, um certo receio inicial do público pareceu transformar-se numa apreensão sufocante da bancada. Com uma entrada ao género da Dirty Delta Bues Band num registo quase de Jam Session, Chan Marshall demorava-se a entrar, talvez programando mexer com impulso especulativo gerado por alguma imprensa, sobre um eventual regresso a Lisboa, depois do seu último e “traumático concerto” em solo português.
A sua entrada energética, semi-controlada foi criando em todos nós (público) ao seu redor, uma espécie de silêncio catalisador da atenção, para perceber exactamente que Cat Power estaria diante dos nossos olhos e ouvidos. Passo a passo, gesto em gesto, maneirismo em maneirismo, Cat Power foi-se revelando e revelando o seu público. Através dessa, tão sua, lógica de dança multiforme do corpo, Chan Marshall foi explorando a amplidão do seu palco, na mesma medida em que saboreava a reacção desencadeada no público. Quase que poderia apostar o nº de pessoas que terão pensado: ok… ela vai começar a descambar! A sua natureza é, toda ela, incerta. Pegando nas palavras de Raul Seixas, como uma metamorfose ambulante. É assim que eu caracterizaria o incaracterizável.

É inegável admitir a existência de alguns momentos de uma certa monotonia, ou até, “repetição musical”. Poderia aqui falar de um inexplicável
desajuste no som entre a banda (com o baixo por vezes alto de mais) asfixiando quase a voz de Cat Power. O que fica da noite de ontem não é seguramente um registo de imperfeições. Que os houve - houve mas importa sublinhar que foram imensamente bem ultrapassados pelos 4 membros da banda e Marshall. E foi um dos grandes méritos da noite.
Desculpem os mais cépticos, mas o que aquela banda toca é uma enormidade. É preciso anos e anos para se chegar ao nível de (Jim White) Dirty Three's ou (Judah Bauer), the Jon Spencer Blues Explosion's. Durante a versão maravilhosa (em termos de arranjos) do tema “Could We” poderíamos fechar os olhos e lembramo-nos do melhor período dos “The Doors” de “LA Woman”

A voz de Cat Power em certos momentos, pareceu-me de um outro fundamento estético, como poesia esculpida em cimento. Não será dizer nada demais se disser que Chan Marshall canta uma barbaridade. Podem dizer que existe Janis no seu canto, podem dizer que tem Soul de Aretha, mas o seu canto “imperfeito” é o melhor que conheço nos dias de hoje. Dentro do género como é natural.
É claro que tudo isto tem um preço, para um público cada vez menos habituado a um registo Rock-Blues-soul-country - se é que se pode configurar assim.
Já não existem muitas cantoras capazes de transmitir tanta verdade em palco, in a old fashion way…
Ontem lembrei-me de algumas palavras ditas por Tom Jobim para descrever o canto de Elis Regina, que referia exactamente a capacidade excepcional da cantora de colocar todas as emoções da sua vida, ou quotidiano, em palco - nas sua canções, sempre a fervilhar por dentro. Pois bem, Chan Marshall é dessa mesma natureza.
Uma grandeza na exacta proporção de sua fraqueza. E isso é raríssimo encontrar na Indústria Musical de hoje. Mas também é o que comove mais em Marshall, que deixou escapar um: Good enough – I’m OK, I’m lucky, quando lhe perguntado por alguém da plateia «se estava bem?». Tudo isso, ela mistura com sua música, de forma afectuosa sem se deixar dirigir pela razão, de um repertório que vai desde Otis Redding, a Bob Dylan, sem esquecer Joni Mitchell. Revisitando alguns dos seus mais marcantes trabalhos, como “The Greatest”, mas incidindo o fulcro do espectáculo sobre o seu mais recente e aclamado “Jukebox”.

Mas não escrevo para falar de alinhamento ou incursões da artista por este ou aquele universo musical, ficará obviamente para os profissionais da área, e claro, seria de uma imensa ousadia. Quero simplesmente partilhar com o leitor um momento, que muitos de nós assistimos, que estou em crer, ficará como das mais bonitas recordações de uma sala cheia de histórias. Quando Cat Power depois de pedir insistemente ao técnico de luz, para acender a iluminação geral do Coliseu para poder ver o seu público e aquando de uma versão interessantíssima de I’ve Been Loving You Too Long de Otis Redding, ela desce do palco pelas escadas, vai ao encontro do público perto da 1ª plateia e tem uma das cenas mais arrebatadoras que vi uma artista fazer. Tudo aquilo sem uma gota de artificialismo. Com muita emoção e verdade à mistura, Cat Power canta o seu Rio interior - depois de uma apropriação quase louca do tema de Otis Redding.

No final e sem Encore, que foi “substituído” por uma monumental homenagem do público a Chan Marshall com entrega de flores (até pelo teclista da banda), entre apluasos - que Chan fez questão de retribuir, no meio de vénias, acenos, mais vénias, durante mais de dez minutos. Claro que muita da simbologia daquele gesto, remete-nos para um mais que evidente (fazer as pazes) entre Cat Power e o seu público em Portugal. Talvez um pouco em excesso, diria, mas Chan estava obviamente comovida e sem conseguir sair de “cena”. A opção da banda foi não voltar a palco. E também esse gesto (da Dirty Delta Blues Band) diz muito daquele momento especial entre o público e Chan Marshall. Essa fotografia, já ninguém tira da minha memória.

Por: Tiago Pereira da Silva

Youtube: Cat Power - Could we / Satisfaction / Lived in bars

domingo, 25 de maio de 2008

De todas as Cores

Diz-me por favor,
Porque é que meu mundo é azul?
Porque foste um difícil começo a fácil?
E agora não se desfaz meu pranto.
O outro, com as mãos na janela,
Conta-me as histórias que hão de vir.
Esses cães vêm da porta
Do quarto onde guia fui de dia.
Essa mulher trouxe a angústia
Chegou ela preguiçosa
Mas em saldo.
Com as mãos cheias de terra
E de tanta insistência.
A água que sai de meu corpo
Já não reconhece a origem.
Canalizo as fontes do meu lamento
E vago com os retirantes
Quero me longe
Mais perto do que fui um dia.
Ensina-me esse caminho
De todas as raízes do mundo
Que abraça o ser gente abandonada
Os bestializados, os sem abrigo
De cor negra, vermelha e amarela.
Pega nessa minha pele que engana
E planta-a nessa terra,
De cor púrpura clara.
Torna-me verde no desejo
De encontrar tudo outra vez
A terra, o ar, o fogo…
Que este canto enlouquece de vez.


Rodrigo Camelo

João Cabral de Mello Neto - Psicologia da Composição (1947)

Não a forma encontrada
como uma concha, perdida
nos frouxos areais
como cabelos;

não a forma obtida
em lance santo ou raro,
tiro nas lebres de vidro
do invisível;

mas a forma atingida
como a ponta do novelo
que a atenção, lenta,
aranha;

como o mais extremo
desse fio frágil, que se rompe
ao peso, sempre, das mãos
enormes. (...)

"O que João não queria era o derramamento sentimental,
O que ele tinha horror era o sentimentalismo e a espontaneidade
que fugia ao controlo dele"


Ferreira Gullar

João Cabral de Mello Neto - Os Três Mal-Amados



O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irreflectidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

poesia "Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas"

Carta a Pedro de Almeida - sobre o IV filme da saga de Indiana Jones


Caro leitor Pedro Almeida,

Esta foi a melhor forma que encontrei (e digo única, porque até ver, esta reposta foi censurada) de responder ao seu comentário sobre a minha critica ao filme novo da saga de Indiana Jones no site de cinema http://www.cinema2000.pt/criticas.htm e sem querer que isto pareça uma reposta-confronto, devo confessar que apreciei a sua divergência e respeito muitíssimo a sua opinião, porém e permita-me o seguinte comentário, não poderia estar mais em desacordo.

Pegando nas suas palavras eu de facto não adorei cada minuto deste 4º filme da série.

Nem valeria a pena alongarmo-nos muito, quando o filme é para mim simplesmente um equívoco e para si um filme premiado de (bom). Mas já agora…
“Cate Blanchett é uma vilã formidável?” Pergunto-me se teremos visto a mesma versão.

Ela é sem dúvida uma actriz fantástica, mas este filme é até um bom exemplo de que de facto actores bons, por diversas razões que não passem só pela direcção de actores, podem estar particularmente infelizes num filme.

Na questão de mudança ou inversão do estatuto do vilão (enquanto conceito) e já agora a suposta paródia de Spielberg sobre a própria sociedade americana em plena Guerra Fria, Spielberg pode ter muitas qualidades, mas essa peço desculpa, não lhe reconheço. Em toda a sua filmografia talvez o tenha conseguido uma vez verdadeiramente. Justamente no seu filme mais odiado “1941 ano louco em Hollywood”.

Querer justificar o “ridículo” de algumas cenas é trabalho que normalmente compete ao realizador fazer... o que até é normal. Ele pegará sempre aqui e ali, e, justificará muitíssimo bem a intenção que quis sugerir ao público.

Eu, inspirado numa frase de uma amiga sobre Spielberg, dir-lhe-ia o seguinte: tornou-se no mais poderoso diamante de uma indústria cinematográfica que verá sempre o cinema como entretenimento e $$$$$$. Mas este, ainda por cima, é do mau.
Por outro lado também já não há paciência para essa obsessão do realizador, pela temática da família: Pais ausente, bla, bla

Sobre a questão politica, o seu comentário é muito elucidativo. Na minha optica, o filme não tem ideias politicas tem “factos políticos da época” - que é uma outra coisa. Não vá mais longe. A temática politica mesmo satirizada a maior parte do tempo (e insisto que não terá sido só o senhor a perceber) é tratada, do meu ponto de vista, de forma extremamente leviana e simplista. Sim… dentro do género - não esperava mais.

Para finalizar a sensação que fica é que Spielberg, com o passar dos anos, vai desprestigiando cada vez mais o cinema e o que ainda é mais curioso o seu próprio cinema.
Fica a deixa.

Felicidades e Bons Filmes.


Tiago Pereira da Silva

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Carta de Omaggio a Cassandra Wilson - continuação



Ouvimos constantemente música. Estamos constantemente a ser bombardeados de sons, barulho,ruídos, música de elevador, música nos ginásios, átrios de hotel, etc. Lembro-me de ouvir, numa entrevista, a brasileira Adriana Calcanhotto dizer a Ana Sousa Dias que: “Temos música a mais no planeta, existe um excesso de música, em todos os sítios por onde passamos hoje”. Não só partilho da mesma opinião como acrescentaria que:
É essa canseira musical que não nos permite, muitas vezes, prestar atenção naquilo que é devido, ou que pelo menos, seria.

O meu primeiro contacto com a música de Cassandra Wilson deu-se em 1999, num daqueles insistentes zappings pela Tv. Foi então que sintonizando o canal Mezzo, reconhecido canal francês pelo seu mérito musical, apercebi-me da força negra de uma cantora americana com um dos mais belos perfis de mulher que alguma vez tinha visto. Ao mesmo tempo que o deslumbramento ia se multiplicando em mim, essa tal cantora parecia aperceber-se disso e reticente ria-se para mim. Depois começou a enxergar a construção natural de um novo projecto musical em minha pessoa. Como ouvi alguém dizer um dia: “Ela só me surpreendeu uma vez, quando a conheci e a ouvi cantar. Foi uma surpresa tão grande e tão profunda que ainda hoje vivo sobre o seu impacto”.
O Homem precisa de arte porque tem alma, foi o que me ocorreu intuitivamente. A voz baixo desta cantora do Mississipi teve um impacto tão forte, que só descansei quando comecei a procurar por toda a feira da ladra discos desta mulher… a tal do perfil inesquecível. Bom,então a escolha recaiu sobre o seu disco de homenagem a Miles Davis – o soberbo “Travelling Miles” com um duplo sentido. Ficamos automaticamente rendidos com o tema de abertura “Run the voodoo Down”, talvez o mais jazzistico álbum de Cassandra Wilson”.

Concebido inicialmente como um meio de experimentar outros universos musicais, a cantora maravilha-nos com o disco “Belly of the Sun”. Cada faixa de abertura de um disco de Cassandra parece determinar a sua nova intenção musical “The Weight” dos The Band fica a contemplação do que significa para os músicos a palavra – arranjo. O bem-aventurado “You gotta move” revelam uma cantora muito bem aconchegada num registo Blues. “Waters of March” de Tom Jobim e “Only a dream in Rio” canção de James Taylor de tributo à musica brasileira, fazem a cantora reencontrar a Bossa Nova, imprimindo-lhe um sofrimento mais típico do Blues e a sofisticação nítida do Jazz embebida no universo da Country, da musica norte-americana, uma das suas maiores paixões e importante fonte de inspiração musical.
No outro dia, ouvindo Pedro Almodôvar dizer que considerava Bebel Gilberto a sua cantora preferida da actualidade, pus-me a pensar se esta seria merecedora de tamanha honra e distinção por parte do realizador espanhol. Mas o que é que isso interessa…não é de todo importante. Uma representa um pequeno rio e a outra um imenso oceano musical. Não que sejam comparáveis. Fui buscar isto para dizer que Cassandra Wilson, para mim, representa a força musical de todo aquele continente chamado América. Ela reúne todos aqueles sons em sua música, desde o norte (Blues, Country, Jazz, Soul, Rock and Roll) ao Central Reggae e a Bossa Nova do Sul. Não há nada para ela que não posso ser reinventado. Nada que lhe pareça estar oculto numa canção e que arranja sempre forma de ser revelado.


Por: Tiago Pereira da Silva

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal - Um equívoco cinematográfico



Por: Tiago Pereira da Silva
A história do cinema norte americano está cheia de exemplos de trilogias, ou pelo menos de filmes ou sagas que foram inicialmente pensadas como tal. “O Padrinho” de Coppola; “Regresso ao futuro” de Zemeckis; “Guerra das Estrelas” de Lucas (Até à década de 90). Este último, exactamente o criador da história - Indiana Jones.
Ao longo de décadas Steven Spielberg resistiu e, em meu entender, bem à tentação de dar uma continuação à saga do arqueólogo mais famoso do mundo. Esse bom senso foi tão mais acertado, quando ficou evidente no título do filme “Indiana Jones and last Cruzade”, que em uniformidade com a história, poderia muito bem acabar por ali. Muito embora e como se sabe, deixando sempre em aberto, a possibilidade de continuação dado o seu open end… Esse bom senso sempre me pareceu da mesma natureza, de quem sempre optou, por se colocar à margem de uma sequela de “O Tubarão”.
Décadas passaram e Steven Spielberg é um realizador muito diferente. Apetece perguntar onde anda o génio criativo de “O Tubarão”, ou de “Encontros Imediatos do 3º grau”, ou mesmo (goste-se mais ou menos) noutra escala “Lista de Shindler”; “Cor Púrpura” e “AI”?
Anos passaram e não me lembro de ver um filme de Steven Spielberg que como resultado cinematográfico e não como adereço artificial para os olhos ao sabor de pipocas, fosse amplamente satisfatório, o último talvez – “O Resgate do Soldado Ryan”. “A Guerra dos Mundos” estou em crer que constará como um dos piores remakes da história do cinema norte americano.
“Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal” é do pior que vi na minha vida.
Se existem filmes que nós dizemos muito naturalmente: a não perder !
Este será um daqueles que seria necessário: Perder ou evitar!
O cineasta que não entende o português (ao que eu sei) que me perdoe, mas só não considero o seu filme um equivoco cinematográfico dos piores, porque “felizmente” existem 3ªs e 4ªs partes de sagas como “O Tubarão” e o “Super-homem”.
Mas se o filme fosse só um vazio de ideias inofensivas, nem estávamos assim tão mal. Não sei exactamente o que deu a Spielberg nos últimos anos, para esquecer as suas origens; ou mesmo, ou anos e anos de ostracismo pela academia, por ser considerado um realizador de esquerda, mas a última coisa que esperaria ver em Spielberg, seria um reaccionário do piorioooo.

Uma das coisas que foi transversal a, praticamente, todos os capítulos da saga de Indiana Jones – foi o facto de este, ter sido perseguido e odiado “reciprocamente” por Nazis. Acontece que nesta 4ª parte, Spielberg, alerta para os perigos do Comunismo dos pós guerra. Os inimigos tornam-se os soviéticos, criando uma caricata dicotomia de “bons contra maus”. Esta formula já utilizada nos restantes filmes, torna-se extremamente débil e vertiginosa - aqui. Comparar de forma directa e intencional os perigos do nazismo com os do comunismo, acaba por ser de uma infelicidade total.
Por mais que muitos de nós não nos sintamos propriamente sintonizados pelos regimes socialistas praticados nas Ex-republicas soviéticas, tentar converter uma história em que o papão é o comunismo e os bons da fita são os norte -americanos, ou o modelo capitalista, é talvez o apontamento de maior ingenuidade em todo o filme. Não que Spielberg não saiba o que está a fazer, o problema começa exactamente esse. Por isso ser tão perigoso. E a geração que vai começar a descobrir “Indiana Jones” através deste filme?
Já que pegamos na cronologia da saga, olhemos 50 anos depois para o mundo e imaginemos um Indiana Jones em 2008, com todos resultados assustadores de sistema político reinante. Olhemos para as desigualdades à nossa volta e reflictamos sobre a geopolítica do globo. Temos, evidentemente que agradecer e muito, a uns senhores poderosos do Norte. “Bem dito sejas Capitalismo!”

Curiosamente o que poderia ter sido uma catástrofe, resulta imensamente bem no filme – o processo de envelhecimento da personagem Indy. Mérito de Harrison Ford que soube exactamente, resistir à tentação de um Indy mais próximo dos primeiros. Nesse aspecto, cumpriu muito bem o que se lhe pedia. E a personagem de Marion que volta do primeiro filme? Que desastre tão grande e que sub-aproveitamento. Chega a ser desprestigiante o que exigem dela no filme. Cate Blanchett, daquelas que não sabe estar mal, no entanto, sua personagem é muitas vezes uma réplica da vilã nazi do terceiro.

A história, caro leitor desculpe-me mais uma vez, mas é um disparate do princípio ao fim. A certa altura no filme, tive a sensação de estar a ver uma daquelas histórias previsíveis, em que o autor vai tentado recriar e reorganizar o fim de acordo com decisões momentâneas. Ou seja, do tipo: o meu objectivo é fundir na história, dois universos completamente distintos, agora, o que é que eu vou fazer para lá chegar? Vou fazendo… Encher chouriço como se diz por cá. Assustadoramente mau.
Se foi preciso esperar quase vinte anos para explorar o universo das civilizações pré-colombianas das Américas (hoje ditas latinas) desta forma… O Sr. que me desculpe mas até o Tino de Rãs pode escrever um guião.

PS1 - Ver a sequência das térmitas a atacarem os "Bons e os Maus" da fita é um hino ao mau cinema.

PS2- A perseguição na selva Amazónica (essa então) é de uma infelicidade total. Parece feita por um estudante de cinema que cresceu a ver os filmes do Spielberg.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Adriana Calcanhotto no Coliseu - uma história em dois capítulos.



Prólogo Inicial: Segunda-Feira tentativa de concerto...
Terça-Feira, para os que voltaram (a organização optou por esta resolução, ou/em vez da devolução do diheiro), concerto e algumas surpresas.


Por: Tiago Pereira da Silva

Quando na segunda-feira entramos no Coliseu dos Recreios para o concerto da Adriana Calcanhotto, nada faria supor estarmos na presença de um concerto, que em tudo, se tornaria diferente. Depois de deambular pelo universo de suas canções do recentíssimo “Maré” - interpoladas com temas de uma carreira, já, com mais de 15 anos; eis que sucede o inesperado a pouco tempo do final do concerto. Um monumental corte de energia, que apelidámos rapidamente de “Apagão”, deixando toda a gente estupefacta durante uns minutos (incluindo os elementos da banda). Quando todos nós percebemos que a falha de energia não seria prontamente reparável, sendo aliás independente da própria estrutura do Coliseu dos Recreios (soubemos mais tarde que a própria Avenida da Liberdade tinha tido diversos problemas), chegou-se a temer o pior fiasco. Mas existe uma velha máxima que diz: que nos momentos de grandes problemas, surgem as melhores soluções. Esta, no entanto, como poderão fazer as vossas próprias análises, não está ao alcance de todos.

Mas quem melhor, para contar a história do que um próprio elemento da banda, neste caso um ex Los Hermanos - Bruno Medina (teclista da banda de Adriana), que no seu interessantíssimo Blog: Instanteposterior - conta o sucedido:
(…) Muitas explicações tentaram justificar o imponderável, mas a verdade é que não havia solução conhecida para o problema. A platéia começou a se inquietar, e foi aí que uma brilhante idéia transformou o que seria um desastre num momento inesquecível.
Munida de seu violão, Adriana caminhou até a beira do palco, os músicos se sentaram perto dela, no chão. A essa altura já havia uma luz de emergência, ao menos o suficiente para que nos enxergassem. Sem microfones ou amplificadores Adriana começou a cantar. A beleza do momento foi indescritível.
Como na história de David e Golias, éramos muito pequenos perante o gigante à nossa frente. Milhares de pessoas inertes continham a intensidade da respiração para ouvir o delicado resultado de nossa determinação em continuar tocando frente àquela condição. Ao final, o empenho foi recompensado com uma ovação que certamente constará da história daquele teatro
. (…)

Palavras para quê! A palavra Arrepiante nem cabe em toda a fantástica descrição feita por Bruno Medina. Inacreditável foi ter presenciado um momento de improvável beleza junto do gesto da artista Adriana Calcanhotto e seus 4 músicos em palco. Esta simetria é indissociável, pois o respeito de Adriana pelo seu público, o seu profissionalismo em palco começam a escassear no panorama musical actual. Mais de 90% dos artistas consagrados que conheço (outros não tão consagrados) ter-se-iam, vindo embora, alheando-se do sucedido. E se errar na percentagem é por defeito.

Não querendo fazer uma descrição exaustiva do alinhamento, nem tão pouco das questões mais técnicas do concerto, no que concerne ao espetaculo da segunda noite, não deixo porém de constatar, de certa forma desiludido, que o público procura, cada vez mais, (num exercício de saudosismo invulgar) um concerto ou alinhamento do tipo Best Of. Não deixou de ser caricata, alguma frieza e distanciamento de grande parte do publico, sobretudo no que diz respeito aos temas novos, e, a euforia e rejubilarem-se sempre que Ariana recorria ao repertório mais antigo. Sobretudo no universo mais recente, o de Adriana Partipim. É como assistir a “um” Caetano Veloso sempre com as mesmas pessoas a gritarem e a pedirem “Leãozinho”, “Sozinho”, Você é linda”, etc.
Devo confessar que, utilizando o português bem do Brasil, não tenho Saco para essas coisas…

Foi justamente já perto do final que o concerto se ampliou dum interesse muito pessoal. “Porto Alegre” numa versão arrojada de canto. Talvez o exercício vocal mais difícil de Adriana, em todo o espectáculo.
Quando Adriana, inteligentíssima (como sempre), guarda para o final do concerto, pequenas homenagens a compositores da nova geração como Los Hermanos e Moreno Veloso, seria de se esperar outra reacção do público, que infelizmente não sucedeu. Quase que daria para perguntar do palco: se alguém da assistência conhece Los Hermanos ou o próprio Moreno Veloso?
Que só pelo seu contributo ao álbum Maré já justificaria ser muito mais do que - um filho de peixe que sabe nadar.
Adriana é uma artista moderna. Talvez até demais para a maioria do seu público. E este demais, sem retirar uma gota de prestigio à sua modernidade, que é aliás uma das suas maiores qualidades. A outra, é ser provavelmente a maior compositora-lestrista brasileira da sua geração. Disse.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Brasil do meu princípio

III Parte

Dobrei o cabo às cegas e alcancei um livro,
De João Cabral, com lombada de Chico;
Que rasga sabedoria em cada palavra.
O Vini também veio nessa modinha.
Intrigado ó poetinha?
Mandam-no sentar, para não cair de bebedeira
Que em si mesma, conserva a poesia.
Garrafa mãe da tal heresia.


IV Parte

“Eu e água!” – Exclama Caetano.
Do alto das suas dúvidas, vilarejos em mil questões,
Porque da água vem a sua poesia
E da inteira terra também.
O Gil foi convidado e o Jorge Ben Jor também,
Da África trouxeram pólos.
Seus cantares de cor, nossos ecos atenuam…
E cobrem-nos da flor de dor que fecundam.

Tiago Pereira da Silva

Haiti - Uma reflexão musical



A propósito de 13 de Maio:

A única reflexão que pude fazer!


Caetano interpela o ouvinte, propondo que assista no “adro da Fundação Casa de Jorge Amado”
a uma “fila de soldados, quase todos pretos, dando porrada na nuca de malandros pretos”. Esta citação ou invocação do alto do pelourinho em Salvador da Bahia, cria uma analogia fiel ao loca,l onde eram barbaramente torturados os escravos negros. A denuncia dos resquícios da escravidão, um “apartheid” disfarçado em que “sempre” viveu o Brasil.
“Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos
E outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)”

Nestes versos Caetano ambiciona promover a reflexão sobre o paradoxo da agressão de um irmão negro sobre outro irmão negro. E vai mais longe, quando “questiona” se o massacre a cidadãos “menos” negros não servirá de exemplo para mostrar a “todo o mundo” como os malandros e pobres devem ser tratados. Claro que o satirizar as classes e feno tipos, do profundo ser do Brasil é uma é um rasgo de revolta, pelo jogo de palavras e a forma como estas são cantadas na voz de Caetano.
“E não importa se olhos do mundo inteiro possam estar
por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados”

A acusação de Caetano e a intertextualidade com os escritos do passado, lembrando a obra do importantíssimo Joaquim Nabuco, fazem destes versos a consideração, de que nem sequer influencia, demove, des-possibilita, o facto de que atenção de todos possa estar direccionada para a barbárie, porque esta é quase inevitável. Ampliada pela expressão “E não importa se olhos do mundo inteiro”.
“E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada
Nem o traço do sobrado, nem a lente do Fantástico
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém
Ninguém é cidadão”
Caetano ousa dizer que nada parece ter significado quando os direitos dos cidadãos são constantemente violados. Comparando inevitávelmente, para reforçar a sua posição, com conceitos de profunda beleza estética. Demonstrando desde o apego à música de Paul Simon, ao deslumbramento físico das marcas arquitectónicas lusitanas, do alto do pelourinho (Salvador da Bahia) e a lente do programa “Fantástico” do Brasil. Nem sequer a expressão homérica do desenvolvimento de uma nação.
"Pense no Haiti
Reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui"
Chegado ao presumível Refrão, Caetano antecipa-o promovendo, mais uma vez, através da interpelação dos possíveis ouvintes, à reflexão sobre o Haiti. Na época desta letra, é sabido que esta pequena região do Caribe atravessava um dos períodos mais negros da sua história, e muito por força dos Senhores poderosos do Norte, vinha como país do mundo, segundo dados da ONU, onde se praticavam as maiores violações à Declaração Universal dos Direitos do Homem. Quando Caetano “ousa” mais uma vez, desta feita, no recurso ao refrão, através da afirmativa “O Haiti é aqui, parece querer dizer aos governadores Brasileiros que em muitos sentidos, o Brasil é também grotesco quanto à quantidade de atrocidades que vão acontecendo, minando e descrediblizando o país, por tanta corrupção, violações dos direitos dos cidadãos, mortes e sangue derramado. Quando afirma “O Haiti não é aqui”, parece, dirigir-se ao cidadão comum, recorrendo a uma afirmativa de esperança, negando para si próprio a possibilidade de um Brasil assim, Reflecte... Brasil pode e deve ser diferente, um projecto de nação totalmente oposto, onde, principalmente, não existam cidadãos de 2ª e 3ª.

Ao longo da letra Caetano vai fazendo sucessivas denuncias e ataques, a classes podres do Brasil, como na expressão “E na TV se você vir um deputado em pânico, Mal dissimulado, Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, Qualquer qualquer, Plano de educação, Que pareça fácil, Que pareça fácil e rápido, E vá representar uma ameaça de democratização, do ensino de primeiro grau” apelando mais uma vez para um forte sentido crítico de um povo de nação.
“E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual, Notar um homem mijando na esquina da rua
sobre um saco brilhante de lixo do Leblon”.
Nesta fase da letra Caetano remete-nos para o universo Rio de Janeiro, conformando-se com a realidade dos assaltos e furtos a veículos automóveis, sendo uma inevitabilidade a passagem por sinais vermelhos a toda a hora, muitas vezes, pura sobrevivência. Uma das temáticas que o assombra como morador daquela cidade, é a poluição crescente em alguns bairros do Rio de Janeiro, o lixo da zona nobre do Leblon, envergonha qualquer pessoa em qualquer parte do mundo.
“E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
diante da chacina 111 presos indefesos
Mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos”
Este primeiro verso abrilhantado pela inevitável, mas inteligentíssima, pausa musical aquando do término do verso, conduzem, finalmente Caetano sobre um dos intuitos desta música, marcar uma posição e dizer algo à sociedade civil Brasileira, sobre o crime na prisão de São Paulo – Carandiru. Crime horrendo, hoje já sobejamente falado, mas não tão reflectido, como a simples intuição liberta. A recordação e memória daquele dia trágico ficou, como que, numa camada mais profunda da memória, de alguns dos sucessivos governadores Paulistas, ou não tivesse o ambiente prisional do estado de São Paulo ganho contornos, completamente devastadores nos últimos dois anos.

Caetano deambula por diversas realidades, do quotidiano violento do Brasil moderno, que continuam extremamente actuais. As suas profundíssimas reflexões, amplificadas pela captação das diversas e complexas realidades que o atormentam e que o levam, aqui, permitam-me, de forma absolutamente inteligente, convidar o leitor ou ouvinte, através de interpelações, a rebater sobre estas evidências diárias, de uma nação que morre sufocada, financeiramente, por uma divida externa e que relega a, para não citar outros exemplos, a educação sempre para 2º plano.

Tiago Pereira da Silva

13 de Maio

Dia 13 de maio em Santo Amaro
Na Praça do Mercado
Os pretos celebravam
(Talvez hoje inda o façam)
O fim da escravidão
Da escravidão
O fim da escravidão

Tanta pindoba!
Lembro do aluá
Lembro da maniçoba
Foguetes no ar

Pra saudar Isabel
Ô Isabé
Pra saudar Isabé


Caetano Veloso

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Brasil do meu princípio...

II Parte

E vejo mil rosas florescerem num sertão.
De um abismo geográfico, onde cabem
Os silêncios constantes dos sem terra.
Amplificas os mistérios da dor, João!
Ao rumo da história do teu Sertão,
Através das palavras que correm,
Como sonhos ou histórias de uma infância
De cor eterna, poesia e militância.


Tiago Pereira da Silva

Brasil do meu princípio...


I Parte

Há uma mesma palavra em todos os meus versos
Em tudo o que ele me ensinou, sem saber.
Quero encarar todas as experiências;
Comover-me, no mastigar concreto de sua prosa
E confundi-las nas matrizes do tempo de Rosa.
E é nessa clandestina noite de exílio
Que surge essa canção suja, a degolar.
Um Brasil imenso, de nome - Gullar.


Tiago Pereira da Silva

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Lava de vez este mundo!



Porque ninguém sofre no meu verso?
Todos se riem…
Eles pisam-no, atentos,
Na engrenagem.

Porque ninguém reparou nesse homem?
Todos se riem…
E engraxam o luxo, nas suas
Mãos de garagem.

Porque ninguém reparou, na forma como ele se curva?
Todos se riem…
Os berços deles, não contemplam:
Bem-haja.

Porque ninguém o vê no meu verso?
Todos se riem…
E esquecem o mundo.
Só pensam em ganhar vantagem.

Porque ninguém o vê para lá do meu verso?
Todos se riem…
E fazem poses para
Pilhar a embalagem.

Porque ninguém cospe no meu verso?
Todos se riem…
Junta-te a nós e
Alia a fonte dessa coragem.

Rodrigo Camelo

Descobrimento


Mário de Andrade


Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.

Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
muito longe de mim
Na escuridão activa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu.

domingo, 4 de maio de 2008

Indie Lisboa 2008




No balanço de mais um Indie, destacaria a “obrigatoriedade” de ver filmes como “Wonderful Town” que ganhou justamente o festival; a magnifica adaptação do “conto” de Mia Couto – Terra Sonâmbula pela portuguesa - Teresa Prata é assombrosamente belo. O público rendeu-se e votou nele massivamente. Importa distinguir por fim, o filme documentário sobre Patti Smith: “Dream of Life” com o excelente inicio da curta metragem “Smells Like Teen Spirit”. Um poema em forma de documentário, daquela que muitos consideram a madrinha do Punk. O melhor documentário que vi sobre um músico(a)...