terça-feira, 13 de maio de 2008

Haiti - Uma reflexão musical



A propósito de 13 de Maio:

A única reflexão que pude fazer!


Caetano interpela o ouvinte, propondo que assista no “adro da Fundação Casa de Jorge Amado”
a uma “fila de soldados, quase todos pretos, dando porrada na nuca de malandros pretos”. Esta citação ou invocação do alto do pelourinho em Salvador da Bahia, cria uma analogia fiel ao loca,l onde eram barbaramente torturados os escravos negros. A denuncia dos resquícios da escravidão, um “apartheid” disfarçado em que “sempre” viveu o Brasil.
“Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos
E outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)”

Nestes versos Caetano ambiciona promover a reflexão sobre o paradoxo da agressão de um irmão negro sobre outro irmão negro. E vai mais longe, quando “questiona” se o massacre a cidadãos “menos” negros não servirá de exemplo para mostrar a “todo o mundo” como os malandros e pobres devem ser tratados. Claro que o satirizar as classes e feno tipos, do profundo ser do Brasil é uma é um rasgo de revolta, pelo jogo de palavras e a forma como estas são cantadas na voz de Caetano.
“E não importa se olhos do mundo inteiro possam estar
por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados”

A acusação de Caetano e a intertextualidade com os escritos do passado, lembrando a obra do importantíssimo Joaquim Nabuco, fazem destes versos a consideração, de que nem sequer influencia, demove, des-possibilita, o facto de que atenção de todos possa estar direccionada para a barbárie, porque esta é quase inevitável. Ampliada pela expressão “E não importa se olhos do mundo inteiro”.
“E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada
Nem o traço do sobrado, nem a lente do Fantástico
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém
Ninguém é cidadão”
Caetano ousa dizer que nada parece ter significado quando os direitos dos cidadãos são constantemente violados. Comparando inevitávelmente, para reforçar a sua posição, com conceitos de profunda beleza estética. Demonstrando desde o apego à música de Paul Simon, ao deslumbramento físico das marcas arquitectónicas lusitanas, do alto do pelourinho (Salvador da Bahia) e a lente do programa “Fantástico” do Brasil. Nem sequer a expressão homérica do desenvolvimento de uma nação.
"Pense no Haiti
Reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui"
Chegado ao presumível Refrão, Caetano antecipa-o promovendo, mais uma vez, através da interpelação dos possíveis ouvintes, à reflexão sobre o Haiti. Na época desta letra, é sabido que esta pequena região do Caribe atravessava um dos períodos mais negros da sua história, e muito por força dos Senhores poderosos do Norte, vinha como país do mundo, segundo dados da ONU, onde se praticavam as maiores violações à Declaração Universal dos Direitos do Homem. Quando Caetano “ousa” mais uma vez, desta feita, no recurso ao refrão, através da afirmativa “O Haiti é aqui, parece querer dizer aos governadores Brasileiros que em muitos sentidos, o Brasil é também grotesco quanto à quantidade de atrocidades que vão acontecendo, minando e descrediblizando o país, por tanta corrupção, violações dos direitos dos cidadãos, mortes e sangue derramado. Quando afirma “O Haiti não é aqui”, parece, dirigir-se ao cidadão comum, recorrendo a uma afirmativa de esperança, negando para si próprio a possibilidade de um Brasil assim, Reflecte... Brasil pode e deve ser diferente, um projecto de nação totalmente oposto, onde, principalmente, não existam cidadãos de 2ª e 3ª.

Ao longo da letra Caetano vai fazendo sucessivas denuncias e ataques, a classes podres do Brasil, como na expressão “E na TV se você vir um deputado em pânico, Mal dissimulado, Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, Qualquer qualquer, Plano de educação, Que pareça fácil, Que pareça fácil e rápido, E vá representar uma ameaça de democratização, do ensino de primeiro grau” apelando mais uma vez para um forte sentido crítico de um povo de nação.
“E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual, Notar um homem mijando na esquina da rua
sobre um saco brilhante de lixo do Leblon”.
Nesta fase da letra Caetano remete-nos para o universo Rio de Janeiro, conformando-se com a realidade dos assaltos e furtos a veículos automóveis, sendo uma inevitabilidade a passagem por sinais vermelhos a toda a hora, muitas vezes, pura sobrevivência. Uma das temáticas que o assombra como morador daquela cidade, é a poluição crescente em alguns bairros do Rio de Janeiro, o lixo da zona nobre do Leblon, envergonha qualquer pessoa em qualquer parte do mundo.
“E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
diante da chacina 111 presos indefesos
Mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos”
Este primeiro verso abrilhantado pela inevitável, mas inteligentíssima, pausa musical aquando do término do verso, conduzem, finalmente Caetano sobre um dos intuitos desta música, marcar uma posição e dizer algo à sociedade civil Brasileira, sobre o crime na prisão de São Paulo – Carandiru. Crime horrendo, hoje já sobejamente falado, mas não tão reflectido, como a simples intuição liberta. A recordação e memória daquele dia trágico ficou, como que, numa camada mais profunda da memória, de alguns dos sucessivos governadores Paulistas, ou não tivesse o ambiente prisional do estado de São Paulo ganho contornos, completamente devastadores nos últimos dois anos.

Caetano deambula por diversas realidades, do quotidiano violento do Brasil moderno, que continuam extremamente actuais. As suas profundíssimas reflexões, amplificadas pela captação das diversas e complexas realidades que o atormentam e que o levam, aqui, permitam-me, de forma absolutamente inteligente, convidar o leitor ou ouvinte, através de interpelações, a rebater sobre estas evidências diárias, de uma nação que morre sufocada, financeiramente, por uma divida externa e que relega a, para não citar outros exemplos, a educação sempre para 2º plano.

Tiago Pereira da Silva

1 comentário:

flávia disse...

vc é o maior fã do caetano que conheço.