domingo, 4 de março de 2007

O Poço

Afundas-te às vezes, cais
no teu fosso de silêncio,
em teu abismo de cólera orgulhosa
e só a custo consegues
regressar, mas ainda com vestígios
do que achaste
nas profundezas da tua existência.

Meu amor, o que encontras
no teu poço fechado?
Algas, lama, rochas?
Que vês de olhos cegos
rancorosa e ferida?

Vida minha, no poço
onde cais não acharás
o que no alto guardo para ti:
um ramo de jasmins orvalhados,
um beijo mais fundo do que o teu abismo

Não tenhas medo, não caias
de novo em teu rancor
Sacode as palavras que te feriram
e deixa que voem pela janela aberta.
Elas voltarão a ferir-me
sem que tua as dirijas,
pois foram proferidas em momento de dureza
e esse momento será desarmado em meu peito.

Sorri para mim radiosa
se a minha boca te fere.
Não sou um pastor brando
como os dos contos de fadas,
mas um bom lenhador que reparte contigo
terra, ventos e espinhos dos montes.

Ama-me tu, sorri,
ajuda-me a ser bom.
Não te refiras a mim, que será inútil,
não me firas a mim porque te feres.

Pablo Neruda in Os Versos do Capitão

1 comentário:

Anónimo disse...

Optimo! Mt bem escolhido. Profundo qb, romantico qb, e mt realista.