terça-feira, 11 de março de 2008

Uma viagem sem precedentes...


Faltam poucos dias. Já conto as horas e os exactos segundos...A criação de um novo projecto de viagem. Uma viagem sem precedentes, na minha vida.. De ir sem rumo, até onde o carro me levar. Depois disso, até onde as pernas me levarem.
Sem mapas, sem telemóvel, sem nada a parasitar a minha existência…liberdade total.

Tiago Pereira da Silva

segunda-feira, 10 de março de 2008

Nesse Rio Maldito


Anos de vida amarga,
Entardecer…
Velhos, oiço cá dentro.
Essa voz que vós escutais
É também meu coração sangrento,
Ferido dos inúmeros punhais.

É nessa gruta que o guardam?
Não vêem que ele espreita
Sempre um pouco.
Fechem-no às vezes…
Nesse cofre-asfixia de um louco
E deixem que apodreça uns meses.

Findem todas as passagens de ar.
Que estranha fragrância que deita!
É como se de matéria, tratasse,
Dessa entranha de mim,
Quero um volte face,
Nessa luz estranha sem fim.

Vinde tu, sinos da morte.
Toma-o como teu segredo,
Derrama o vinho brando sobre a testa
Guarda, ri e esconde…
Engole a chave nesta,
Dose de corpo onde

Os cafezais são seu abrigo,
Como um vácuo ao subversivo.
E nem a luz desses ordinários
Coloca negros nus ou ao relento,
Mutação estilo Portinaris
Ou as selvas que me deixam sedento,

De ir ao som de um Purus River.
Desse copo de corpo Inglês,
Que agita as águas de um rio
Minimalista, de onde vêem peixes
E os teus tesouros no frio,
Só precisa, mesmo, que deixes,

No bater desse coração,
Propicio como algo que vejo
Na escuridão de um rio maldito,
Entrar no Amazonas de ti.
Sem mais um grito erudito
De um corpo som Uakti.


Rodrigo Camelo

domingo, 9 de março de 2008

Senhor Ministro: Santos Silva...


Por: Tiago Pereira da Silva

Sua Excelência,
Devo dizer, antes de mais nada, que ouvi atentamente as suas declarações: “A liberdade é algo que o País deve a Mário Soares, a Salgado Zenha, a Manuel Alegre... Não deve a Álvaro Cunhal nem a Mário Nogueira" . Posto isto e em jeito de “Pensatempos” de Mia Couto, permita-me que lhe sugira, esta fabulosa carta pela libertação de Álvaro Cunhal escrita em 1953, pelo maior romancista Brasileiro do Século XX – Jorge Amado. A legibilidade e revolta intelectual da mesma, poderá estar muito distante do defende (em termos ideológicos), mas pelo menos permitir-lhe-á relembrar que o que disse, não só é falso, como nem será matéria para hipócritas ou diminuídos mentais. É que sabe… Nem a inevitável lógica dos tempos modernos, apagará a marca e obra de um homem que o seu povo não esquece, porque como diria Jorge Amado: “(…) o mais bravo dos filhos desse povo heróico, aquele que tudo sacrificou para ser fiel à esperança do povo (…). E isso, a todos nós – Povo - que nascemos com: a capacidade de pensar, não se esquece.

«Tão magro, de magreza impressionante, chupado a face fina e severa, as mãos nervosas, dessas mãos que falam, mal penteado o cabelo, um homem jovem mas fisicamente sofrido, homem de noites mal dormidas, de pouso incerto, de responsabilidades imensas e de trabalho infatigável, eu o vejo, sentado ao outro lado da mesa, diante de mim, falando com a sua voz um pouco rouca, os olhos ardentes no fundo de um longo e sempre vencido cansaço, e o vejo agora como há cinco anos passados, sua impressionante e inesquecível imagem: Álvaro Cunhal, conhecido por Duarte, o revolucionário português. Falava sobre Portugal, sobre que poderia falar?Sua paixão e sua tarefa: libertar o povo português da humilhação salazarista, libertar Portugal dessa já tão larga noite de desgraça, de silêncios medrosos, de vozes comprimidas, de alastrada e permanente fome do povo, de corvos clericais comendo o estômago do país, de tristes inquisidores saídos dos cantos mal iluminados das sacristias e da História para oprimir o povo e vendê-lo à velha cliente inglesa ou ao novo senhor norte-americano. Sua paixão e sua tarefa: fazer de Portugal outra vez um país independente e do povo português um povo novamente livre e farto e dono da sua natural alegria. Ah! Aqueles cansados olhos fundos sorriam e a voz estrangulada de cólera se abria em doçura de palavras de amor para falar de Portugal e do povo português. Eu compreendia que aquele homem de magreza impressionante, de físico combalido pela dura ilegalidade perseguida, era o seu próprio país, seu próprio povo e que, com seu cansaço, sua fadiga de anos, sua rouca voz de velho sono, suas mãos ossudas, eles estava construindo a vida, o dia de amanhã, o mundo novo a nascer das ruínas fatais do salazarismo. Como era terno seu sorriso ao falar das festas populares nas aldeias do Minho ou dos homens rudes de Trás-os-Montes! Conhecia tudo do seu país e do seu povo, tudo o que era autentico de Portugal, desde o mar-oceano com a sua história portuguesa e gloriosa até as vinhas ao sol e as cantigas e os poemas dos poetas reduzidos na sua grandeza pela censura fascista; desde as histórias heróicas dos militantes presos, torturados até à loucura e à morte, as tenebrosas histórias do Tarrafal, o campo de concentração mais antigo e mais cruel da Europa, até às doces histórias de amor da província portuguesa, com um sabor romântico das velhas legendas.
Contou-me coisas de espantar com sua voz ora doce, grávida de ternura, ora violenta de cólera desatada quando falava da fome dos trabalhadores, da opressão salazarista sobre o povo, da opressão imperialista sobre a sua pátria de primavera e mar. (...) os comunistas portugueses, heróis anónimos do povo, os invencíveis, os que estão rasgando a noite fascista com a lâmina de sua audácia e de sua certeza para que novamente o sol da liberdade ilumine o país dos pescadores e das uvas. De um me disse: «Esse esteve no Brasil e aprendeu com vocês» (...)Falou do campo, dos homens que habitam as montanhas, daqueles que Ferreira de Castro, o grande romancista, descreveu em «Terra Fria» e «A Lã e a Neve». (...) Falou dos operários das cidades daqueles que Alves Redol descreveu em seus magníficos romances e contou da sua irredutível resistência ao regime salazarista. (...)Naquela tarde como que me apossei por inteiro de Portugal, do melhor Portugal, do Portugal eterno, como se Álvaro Cunhal o trouxesse nas suas mãos ossudas, tão descarnadas e nervosas, como se trouxesse – e o trazia em verdade – no seu coração de revolucionário e patriota. Voltei a vê-lo ainda uma vez, dias depois, e a longa conversa sobre Portugal continuou. Falou-me dos escritores, dos plásticos, dos pescadores, fadistas, e sobretudo da luta subterrânea, dura e difícil e jamais vencida. (...)Veio o processo, dentro dos métodos infames dos tribunais fascistas. Ali se ergueu Álvaro Cunhal (Militão morrera de torturas) e não era o réu, era o acusador, a voz de fogo a queimar o vergonhoso rosto dos carrascos do seu povo, dos vendilhões da sua pátria.(...)Pretendem matá-lo e nós sabemos que são frios assassinos os que querem matá-lo. É uma vida preciosa, preciosa para Portugal e para o mundo, ajudemos o povo português a salvá-la!(...)Há alguns meses eu estava em frente ao mar Pacífico, na costa sul do Chile, em Isla Negra, em casa de Pablo Neruda, meu companheiro de lutas de esperança. Uma figura de proa de barco se elevava em frente ao mar de ondas altas e violentas. Por isso falámos de Portugal e do seu destino marítimo. Contei ao poeta sobre Cunhal e Pablo levantou-se, deixou-me com o pescador que parara para escutar-nos e quando voltou havia escrito esse maravilhoso poema que é «A Lâmpada Marinha» sobre Portugal, seu povo, Álvaro Cunhal e o dia luminoso de amanhã»(...)Hoje o mais bravo dos filhos desse povo heróico, aquele que tudo sacrificou para ser fiel à esperança do povo está com sua vida ameaçada.»

Jorge Amado, 1953.

sábado, 8 de março de 2008

Pátria Minha - Vinicius de Moraes

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes"

quinta-feira, 6 de março de 2008

Balada do Mangue - Vinicius de Moraes


Pobres flores gonocócicas
Que à noite despetalais
As vossas pétalas tóxicas!
Pobre de vós, pensas, murchas
Orquídeas do despudor
Não sois Loelia tenebrosa
Nem sois Vanda tricolor:
Sois frágeis, desmilingüidas
Dálias cortadas ao pé
Corolas descoloridas
Enclausuradas sem fé.
Ah, jovens putas das tardes
O que vos aconteceu
Para assim envenenardes
O pólen que Deus vos deu?
No entanto crispais sorrisos
Em vossas jaulas acesas
Mostrando o rubro das presas
Falando coisas do amor
E às vezes cantais uivando
Como cadelas à lua
Que em vossa rua sem nome
Rola perdida no céu...
Mas que brilho mau de estrela
Em vossos olhos lilases
Percebo quando, falazes
Fazeis rapazes entrar!
Sinto então nos vossos sexos
Formarem-se imediatos
Os venenos putrefatos
Com que os envenenar
Ó misericordiosas!
Glabra, glúteas cafetinas
Embebidas em jasmim
Jogando cantos felizes
Em perspectivas sem fim
Cantais, maternais hienas
Canções de cafetinizar
Gordas polacas serenas
Sempre prestes a chorar.
Como sofreis, que silêncio
Não deve gritar em vós
Esse imenso, atroz silêncio
Dos santos e dos heróis!
E o contraponto de vozes
Com que ampliais o mistério
Como é semelhante às luzes
Votivas de um cemitério
Esculpido de memórias!
Pobres, trágicas mulheres
Multidimensionais
Ponto morto de choferes
Passadiço de navais!
Louras mulatas francesas
Vestidas de carnaval:
Viveis a festa das flores
Pelo convés dessas ruas
Ancoradas no canal?
Para onde irão vossos cantos
Para onde irá vossa nau?
Por que vos deixais imóveis
Alérgicas sensitivas
Nos jardins desse hospital
Etílico e heliotrópico?
Por que não vos trucidais
ó inimigas? ou bem
Não ateais fogo às vestes
E vos lançais como tochas
Contra esses homens de nada
Nessa terra de ninguém!


Ás vezes penso que se escrevesse um texto destes, não precisava de escrever mais uma palavra na vida.
Alguém que só por uma vez escrevesse um texto como "A Balada do Mangue" já seria considerado um grande poeta. Podem chama-lo de "poetinha" num diminutivo, com uma clara consideração - de "menor". Mas Vinicius de Moraes é um dos grandes poetas de língua portuguesa de todos os tempos.

Escolha do Dia: Fez-se Mar


Los Hermanos
Composição: Marcelo Camelo

Fez-se mar,
Senhora o meu penar
Demora não, demora não

Vai ver, o acaso entregou
Alguém pra lhe dizer
O que qualquer dirá
Parece que o amor chegou aí
Parece que o amor chegou aí
Eu não estava lá, mas eu vi
Eu não estava lá, mas eu vi

Clareira no tempo
Cadeia das horas
Eu meço no vento
O passo de agora
E o próximo instante, eu sei, é quase lá
Peço não saber até você voltar


Por mais incursões que faça pelo universo fascinante desta banda - Los Hermanos...
Venho dar sempre aqui.. a "Fez-se mar". Magnífica!

domingo, 2 de março de 2008

A Besta!


Prólogo inicial: Sempre que necessário. Sempre que urgente. Porque um líder forte, determinado e sobretudo - ignorante (no que diz respeito à real situação do país)é também ele um líder - perigoso.

A Besta

Quando queimam meus irmãos
Na azáfama diária
Dessas fogueiras
E ardem todos os que são função,
Ele olhar-te-á com desprezo
E ri-se dos que fazem da luta o meio.

É então que chamo por ti
Porque do medo faz-se contenda
Não temas represálias, meu irmão
Os amos existem para cair e sabes
Ele olhar-te-á com o desprezo
E ri-se dos que fazem oposição.

Vamos fazer a luta companheiro
Porque muitos, para ele
São sempre poucos…
Que não te nasça a desesperança, porque,
Ele continuará com o desprezo
E ri-se dos que fazem a impugnação.

Convido-te a ti e a ti irmão
Porque esta nação grande,
Continua perigosa…e
Esta pirâmide de besta já tem base.
Ele olhar-te-á com desprezo
E ri-se dos que fazem a delação.

A ignorância a base sólida
Para do podre ver, o composto
E dos velhos museus, as novidades.
Apelo a ti imaginação, porque
Ele olhar-te-á com desprezo
E ri-se dos que fazem uso da criação.

Não te cales nunca irmão
Perde a voz se preciso for
Mas nunca o teu pulmão.
O teu sólido crer agastá-lo-á e
O olharás sem desprezo
E ri-te, sem mentira e sem perdão.


Tiago Pereira da Silva