domingo, 22 de abril de 2007

Ela é Dançarina...


Ela é Dançarina
Chico Buarque
Composição: Chico Buarque

Disco: Almanaque 1982


O nosso amor é tão bom
O horário é que nunca combina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando pego o ponto
Ela termina

Ou: quando abro o guichê
É quando ela abaixa a cortina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Abro o meu armário
Salta serpentina

Nas questões de casal
Não se fala mal da rotina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando caio morto
Ela empina
Ou quando eu tchum no colchão
É quando ela tchan no cenário
Ela é dançarina
Eu sou funcionário
O seu planetário
Minha lamparina

No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show

Pra mim
Ela é dançarina
Eu sou funcionário
Quando eu não salário
Ela, sim, propina

No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço a Deus do céu uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim
Por: Tiago Pereira da Silva

Chico Buarque para mim é um daqueles poetas compositores de língua portuguesa que se fosse distinguido com o prémio Nobel da literatura por seu cancioneiro extraordinário, por certo estaria a confluir com duas realidades que sempre se misturaram, mas que nem sempre se respeitaram.

Chico Buarque devia ser ensinado nas escolas. Sim a frase é uma ousadia, mas permitam-me acrescentar que já a vi atribuída a não sei quantos autores. Chico, como Caetano Veloso são independentemente de escreverem sobretudo letras para musica, de uma riqueza poética que estou, em crer, ser um paralelo na nossa língua, semelhante ao que Dylan fez para transformar a cultura de massas norte-americana. E que importância tem a palavra transformar.
Só que acontece que a língua portuguesa é um gueto no mundo actual, completamente secundária, que perde a sua força e energia todos os dias. Muito do que é, hoje, devemos por exemplo a este homem - Chico Buarque de Hollanda.

Mas que tarefa ingrata.. falar da riqueza poética de Chico numa mera introdução do que aqui proponho partilhar. Bem sei, que Ela é Dançarina não é seguramente uma das grandes letras de Chico, mas neste exemplo musical (que escolhi) poderemos ver um Chico num seu todo, em que aliada á sua fortíssima presença rítmica e melódica, um arranjo de cordas do produtor Mazzola, que sem duvida interpretou o conceito da letra e a pretensão enganadora da mesma. Um piano inacreditável que, quando surge o verso Ou: quando abre o guiché é surpreendido com um violino que parece surgido do inconsciente da personagem Funcionário ... os sopros, na 3ª estância, reforçam o melancolismo dramático, mas belo, da voz afinadissima de Chico, e quando o Funcionário nos diz: Já me jurou que faz um show para mim, a flauta transversa ilumina a musica de uma esperança perturbadora. A riqueza poética de Chico é essa mesma... a da palavra simples, que encaixa em cada harmonia, aqui quase como um jogo teatral de dois personagens, de universos diferentes e que nunca combina.

Deliciosa esta experiência musical.

1 comentário:

flávia disse...

maravilhoso! Sou suspeita para falar, pois amo o chico. Concordo em tudo quando diz que Chico deveria ser ensinado nas escolas. É um genio! bjo