domingo, 5 de outubro de 2008

Bessie Smith - Imperatriz do Blues


Algodão e Melancolia
Por: Cristiano Gobbi
Começa pela tradução da palavra. “Blues” quer dizer melancolia no jeito peculiar de falar dos habitantes do delta do rio Mississipi, berço do ritmo. E melancólicas são as raízes do blues. Ele começou a surgir em Agosto de 1619, quando o primeiro navio negreiro atraca na costa-americana. Nos porões, negros arrancados à força da África para o trabalho forçado em lavouras de algodão, tabaco e milho nas cercanias de New Orleans, nos estados de Alabama, Mississipi, Lousiana e Georgia.
No espírito dos desafortunados escravos, uma profunda saudade do que ficou para trás e uma rica cultura folclórica amordaçada. Mas a musicalidade latente dos africanos não tardaria a se manifestar. Aos poucos, surgem as “work songs”, verdadeiros lamentos melódicos, entoados pelos negros na árdua tarefa de plantar e colher os produtos da terra. Enquanto uma voz entoava um verso, os outros trabalhadores faziam o coro. No início, nas línguas nativas: fon, bantu e yorubá; com o passar do tempo, uma mescla de palavras de dialectos africanos e inglês, incorporado na convivência com os fazendeiros da região. Tudo a capela, de uma forma primitiva mas não menos visceral, sentimental e sempre rítmica. É a primeira manifestação musical dos negros na América que começavam a erguer com o sacrifício da liberdade perdida em pontos diferentes da África. A Guerra da Secessão, vencida pelo norte, representa a liberdade para os negros escravos do sul em 1865. Nessa época, em New Orleans havia cinco negros para cada quatro brancos. Muitos desses negros são netos e bisnetos dos pioneiros escravos. Os recém libertos também cantam e tocam, com a diferença de pelo menos um século de assimilação da cultura branca. Começa a surgir assim a figura do blueseiro, ainda com um banjo em lugar da guitarra. Como o blues é uma música vocal por natureza, em sua versão instrumental o ritmo exige instrumentos de habilidade vocal, capazes de “imitar” a voz humana. E nada melhor para se obter este efeito do que a técnica de “knife-song”, de deslizar sobre as cordas do violão uma placa metálica para se obter um som lamurioso, que mais parece um gemido humano. Assim a guitarra acústica desbanca o banjo e passa a frequentar os braços, mãos & dedos dos blueseiros. Instrumentos de percussão de origem africana como o djambè e harmônica, com sua versatilidade, complementam o kit básico do blues primordial, que não dispensa a interpretação, o sentimento absoluto no cantar.
A esta altura as canções já não são apenas lamentos, mas também bravatas, histórias de rixas terminadas com filetes de sangue manchando de vermelho as lâminas de navalhas, de mulheres conquistadas, de corações despedaçados. Agora o inglês prepondera sobre os dialectos africanos nas letras e o blues já é uma música americana, feita por negros e cada vez mais amada pelos brancos. Chega o rádio, o gramofone, o show-business. Surgem cantoras como Bessie Smith e guitarristas blueseiros como Ottis Redding. E isso tudo é só o começo de uma longa história regada a paixão pela música e litros e mais litros de Jack Daniels.

Por: Tiago Pereira da Silva

Tal como prometido a alguns seguidores deste Blog, escrevo, talvez, sobre uma das minhas maiores paixões musicais – o Blues. Num misto confuso de alegria e tristeza, de certa forma colado à génese embrionária do Blues, exactamente por ter demorado o tempo de uma vida a ouvir uma cantora como Bessie Smith. Não que nunca tivesse ouvido, mas talvez agora tenha entrado no meu espírito como sopro pujante de vida.
Aquela breve apresentação do aparecimento e historia do Blues por parte do critico Cristiano Gobbi, vai ao encontro do real surgimento dos movimentos musicais negros no continente Americano, uma das suas formas mais ricas, exactamente o «Blues» na América do Norte. Este “acaso” na invenção de formas de arte, através de um autentico jogo labiríntico entre oprimidos vs opressores, só poderia consistir para mim a real natureza da atracção ou curiosidade. Como lhe quiserem chamar. Quase todas elas desenvolveram das manifestações culturais mais ricas em séculos e séculos de história.

Bessie Smith teve como, muitos músico(a)s de Blues, um final trágico, mas o seu legado, da considerada imperatriz do Blues, é do mais rico e inovador da historia daquele género musical.
Ontem dizia a um amigo que para mim a descoberta só faz sentido – quando partilhada.
Quando estou a ouvir uma canção como “Alexander´s walkin babies from home” parece que sou transportado para um outro lugar, com - “Me and my Gin” identifico uma das mais arrebatadoras interpretações que já ouvi, mas é com “Cake Walkin Babies From Home” que percorro os campos de algodão cheios de escravos e faço a mais que inebriante audição e a desonra dos outros sentidos, sobretudo quando canta a frase «Now the only way to win is to cheat 'em,
you may tie 'em but you'll never beat 'em» e percebemos que só mais duas ou três cantoras num século poderiam cantar assim - e isto partilho com vocês.


In Net biography_: Nem a maior diva dos blues de sempre escapou ao fado do asfalto. Bessie Smith (1894-1937) não sobreviveu aos danos de um desastre na estrada, ficando com um braço amputado e sofrendo uma perda excessiva de sangue fatal. Quando Janis Joplin descobre em 1970 que a campa de Bessie Smith estava anónima, a estrela de blues-rock, indignada, compra uma lápide com a seguinte inscrição: A maior cantora de blues de sempre jamais deixará de cantar.

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