terça-feira, 21 de julho de 2009

Em III Actos

I Acto
Prólogo Inicial:Se eu fosse rio

Ela deita-se sobre o meu verso,
Sem rumo, sem mar
E eu sei me ausente e imerso
No líquido, onde a dor foi parar!

És humilde, mãe de húmus mil, se
Até na dor – vejo-te minha sabedoria
Acompanhas o corpo e não permites que haja - se
Queres alma, coração e pura alegoria

E quando finalmente colocares-me as mãos,
Já serei rio. Mas sei que ainda desespero.
Terias de entender a tal terra sem Nãos,
Onde sou Velho Chico, onde sei que te espero.

Não foste convidada a entrar nesta terra
E é difícil aceitar que ausente,
Estás muito mais em mim. Mas enterra
A tua tradução, nessa imensa margem presente

Naquela onde virás num tronco assente,
Fintando a nuvem escura à luz do sol,
Agora que avistas algo e vens como presente,
Ao som da água em si bemol

Convoco o clube inteiro da esquina - em prosa
Minas e ouro preto - em carros de boi
Escondo-me “apenas” de Drummond e Guimarães Rosa
É que só dentro dos livros consigo dizer-lhes: Oi !

Agora que sou, no teu livro
Não interessa se bicho, homem, rio ou ar
Vejo o teu sertão e é para onde migro
Porque se sou rio, ela tem que ser mar

II Acto
Prólogo Inicial: O ciúme é humilde

O ciúme é algo que não vou estudar,
Não quero entender-te dentro desse critério.
Tem algo de humilde e que nos faz corar
Deixo, por isso, o entendimento para o mistério...

Sei também que ainda o guardas com um dedo
Como se pudesses prender essa palavra!
A metáfora, intimida e cria o medo
E nasce outra vez, raiz brava

Porque como diria alguém que eu conheço:
Deus é a parte do medo que todos temos.
Por isso existe a fé. E é onde permaneço.
Então e a bíblia – por quanto tempo a lemos?

Perguntarás, tu e tu - irmão.
A desconhecida sombra na parede tem resposta,
Também é a memória do homem em criação.
E tudo torna à forma composta.

Alta noite e pobre de mim sou eu.
Desses, com eco de Cecília
Nem Arnaldo avista um outro que – eu
Estou só. Apesar de invocar-te em tudo o que lia.

Como posso eu, não te ver meu transpirar ?
Se te vejo em tudo o que se faz.
Alguns vêm de visita, outros para ficar
Tu és entendimento, a promessa que se traz

Não quero um terceiro acto
Vou para onde comecei
Onde sou mendigo ou um condor nato.
Onde vejo-me rio ou o melhor que sei

Rodrigo Camelo, 21 de Julho 2009

1 comentário:

Ana Paulo disse...

Então deixa fluir o "leito", sem medo, em direcção à "foz". É essa a verdade dos rios. Não é o seu final, mas a sua plena entrega ao oceano profundo.

Excelente!!!

AP