segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Ultimatum:Álvaro de Campos - Novembro de 1917


Publicação original de Ultimatum

Mandado de despejo aos mandarins da Europa! Fora.
Fora tu, Anatole-France, Epicuro de farmacopeia-homeopática, ténia-Jaurès do Ancien-Régime, salada de Renan-Flaubert em louça do século dezassete, falsificada!
Fora tu, Maurice-Barrès, feminista da Acção, Chateaubriand de paredes nuas, alcoviteiro de palco da pátria de cartaz, bolor da Lorena, algibebe dos mortos dos outros, vestindo do seu comércio!
Fora tu, Bourget das almas, lamparineiro das partículas alheias, psicólogo de tampa de brasão, reles snob plebeu, sublinhando a régua de lascas os mandamentos da lei da Igreja!
Fora tu, mercadoria Kipling, homem-prático do verso, imperialista das sucatas, épico para Majuba e Colenso, Empire-Day do calão das fardas, tramp-steamer da baixa imortalidade!
Fora! Fora!
Fora tu, George-Bernard-Shaw, vegetariano do paradoxo, charlatão da sinceridade, tumor frio do ibsenismo, arranjista da intelectualidade inesperada, Kilkenny-Cat de ti próprio, Irish-Melody calvinista com letra da Origem-das-Espécies!
Fora tu, H. G. Wells, ideativo de gesso, saca-rolhas de papelão para a garrafa da Complexidade!
Fora tu, G. K. Chesterton, cristianismo para uso de prestidigitadores, barril de cerveja ao pé do altar, adiposidade da dialéctica cockney com o horror ao sabão influindo na limpeza dos raciocínios!
Fora tu, Yeats da céltica-bruma à roda de poste sem indicações, saco de podres que veio à praia do naufrágio do simbolismo inglês!
Fora! Fora!
Fora tu, Rapagnetta-Annunzio, banalidade em caracteres gregos, «D. Juan em Pathmos» (solo de trombone)!
E tu, Maeterlinck, fogão do Mistério apagado!
E tu Loti, sopa salgada fria!
E finalmente tu, Rostand-tand-tand-tand-tand-tand-tand-tand!
Fora! Fora! Fora!
E se houver outros que faltem, procurem-nos por aí pra um canto!
Tirem isso tudo da minha frente!
Fora com isso tudo! Fora!

Ai! que fazes tu na celebridade, Guilherme-Segundo da Alemanha, canhoto maneta do braço esquerdo, Bismarck sem tampa a estorvar o lume?!
Quem és tu, tu da juba socialista, David-Lloyd-George, bobo de barrete frígio feito de Union Jacks?!
E tu, Venizelos, fatia de Péricles com manteiga, caída no chão de manteiga para baixo?
E tu, qualquer outro, todos os outros, açorda Briand-Dato. Boselli da incompetência ante os factos todos os estadistas pão-de-guerra que datam de muito antes da guerra! Todos! todos! todos! Lixo, cisco, choldra provinciana, safardanagem intelectual!
E todos os chefes de estado, incompetentes ao léu, barris de lixo virados para baixo à porta da Insuficiência da Época!
Tirem isso tudo da minha frente!
Arranjem feixes de palha e ponham-nos a fingir gente que seja outra!
Tudo daqui para fora! Tudo daqui para fora!
Ultimatum a eles todos, e a todos os outros que sejam como eles todos!
Senão querem sair, fiquem e lavem-se.

Falência geral de tudo por causa de todos!
Falência geral de todos por causa de tudo!
Falência dos povos e dos destinos — falência total!
Desfile das nações para o meu Desprezo!
Tu, ambição italiana, cão de colo chamado César!
Tu, «esforço francês», galo depenado com a pele pintada de penas! (Não lhe dêem muita corda senão parte-se!)
Tu, organização britânica, com Kitchener no fundo do mar mesmo desde o princípio da guerra!
(It 's a long, long way to Tipperary and a jolly sight longer way to Berlin!)
Tu, cultura alemã, Esparta podre com azeite de cristismo e vinagre de nietzschização, colmeia de lata, transbordamento imperialóide de servilismo engatado!
Tu, Áustria-súbdita, mistura de sub-raças, batente de porta tipo K!
Tu, Von Bélgica, heróica à força, limpa a mão à parede que foste!
Tu, escravatura russa, Europa de malaios, libertação de mola desoprimida porque se partiu!
Tu, «imperialismo» espanhol, salero em política, com toureiros de sambenito nas almas ao voltar da esquina e qualidades guerreiras enterradas em Marrocos!
Tu, Estados Unidos da América, síntese-bastardia da baixa-Europa, alho da açorda transatlântica nasal do modernismo inestético!
E tu, Portugal-centavos, resto da Monarquia a apodrecer República, extrema-unção-enxovalho da Desgraça, colaboração artificial na guerra com vergonhas naturais em África!
E tu, Brasil, «república irmã», blague de Pedro-Álvares-Cabral, que nem te queria descobrir!
Ponham-me um pano por cima de tudo isso!
Fechem-me isso à chave e deitem a chave fora!
Onde estão os antigos, as forças, os homens, os guias, os guardas?
Vão aos cemitérios, que hoje são só nomes nas lápides!
Agora a filosofia é o ter morrido Fouillée!
Agora a arte é o ter ficado Rodin!
Agora a literatura é Barrès significar!
Agora a crítica é haver bestas que não chamam besta ao Bourget!
Agora a política é a degeneração gordurosa da organização da incompetência!
Agora a religião é o catolicismo militante dos taberneiros da fé, o entusiasmo cozinha-francesa dos Maurras de razão-descascada, é a espectaculite dos pragmatistas cristãos, dos intuicionistas católicos, dos ritualistas nirvânicos, angariadores de anúncios para Deus!
Agora é a guerra, jogo do empurra do lado de cá e jogo de porta do lado de lá!
Sufoco de ter só isto à minha volta!
Deixem-me respirar!
Abram todas as janelas!
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo!

domingo, 30 de dezembro de 2007

Génios da Pintura: Cândido Portinari




Talvez o mais importante pintor Brasileiro de todos os tempos, Portinari pintou a realidade de meados do século XX que o envolvia, a dos despossuídos, bestializados, sem chão e sem tecto. Integrando-se tal como os três grandes pintores de murais mexicanos (Rivera, Siqueiros e Orozco) na vanguarda do que viria a ser chamado de corrente Neo-realista, que emergiu em simultâneo em Portugal e Brasil nas suas diversas manifestações (literatura, exemplos disso mesmo são Alves Redol e Manuel da Fonseca; Pintura e Cinema) com um padrão identitário marcadamente da esquerda marxista. O Neo-realismo existiu porque o fascismo era uma evidência.
Confesso que sou um apaixonado do quadro "Os Retirantes" de Portinari de 1944.

Por: Tiago Pereira da Silva

sábado, 29 de dezembro de 2007

Escolha do Dia: Beatrice Ardisson com "Staying Alive" dos Bee Gees

Com um arranjo a roçar a Bossa, esta versão surpreende até o ouvido mais desatento.

Ao Redol do teu Carvalho.

Fazes-me sempre ver
Que quando te alcanço
Quase entendo o avanço
Do teu céu húmido ser.

Representas o que nem sabes.
De uma terna dignidade
Como amparo-paternidade,
Desse alguém, sem herdades.

E quando volto ao lugar de Si
Volto, ao Redol do teu Carvalho.
E aos muitos que, entre ti,
Ainda espreitam nesse orvalho.

Integras mais um irmão
Para essa cultura unir.
Para o templo desse chão,
A estátua-irmã-cinza, esculpir.

Xenofilia a tua língua
Dos teus deuses da criação.
O silêncio, a tua mingua,
Quando da fobia fazes, negação.

Incensurável começo esse,
Desse hospício de enjeitados.
É que os por ti rejeitados
Inflamam cegos, como esse.

Adoptas a incestuosa fé,
Derrubas os montes exactos,
Prendes-te ao eterno pé
Da silva mãe desses matos.

Largas por fim esses gritos
No fumo de cada queimada,
E ao longo desta cruzada
Dançam palavras tuas nos livros.

Por: Tiago Pereira da Silva

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Woody Allen & His New Orleans Jazz Band - "Tie me to your apron strings again"


Woody Allen é um daqueles cineastas que pensa em música 200 horas por dia.
Todos já sabemos da sua paixão suprema pelo jazz, nomeadamente, o "swingado" na primeira metade do século passado. Mas aqui, podemos ouvi-lo a tocar. Nesta versão, Woody Allen e a sua super banda revisitam um clássico, absolutamente sagrado da música negra norte americana.
Para ser naturalmente surpreendido...

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

domingo, 23 de dezembro de 2007

O Menino da Inquietante Coragem

Meu menino…
“Os muros nunca são altos!”
Desafia a lógica e rompe,
Cordas de aço
Desse eterno sistema.
Vê também,
Que seres pequeno
É apenas, uma perspectiva.

Aqui onde me encontro,
Na margem das cores,
Não há lugar para as palavras.
Somos todos herdeiros do silêncio
Não existem controvérsias,
És sempre tu - Mãe natureza.
Ela escolheu-me
E não o contrário.

O improviso recolheu-me,
Na corda e na navalha.
Parecia já preparado,
Para o que adiante constato.
Comprovo chocado
E testemunho o fulgor
Desse interminável
Segundo acto.

Vira ali à esquerda
E quando ameias vires,
Grita o eco
De um Zeca ao ouvido.
Derruba as cercas
Que te fazem sonhar.
Vê te no alto…
E tudo parece brinquedo.

Eu, reencontro o sábio,
A cada leve, a cada passo.
Sua barba, sua mochila,
Contam-me as histórias
Da eterna geração
Que interna meu medo
E dá alta ao templo
Da inquietante coragem.


Tiago Pereira da Silva