quarta-feira, 25 de março de 2009

Poema Sujo - Ferreira Gullar

E volto a ele, porque passado tanto tempo ... Ainda recupero do seu impacto. Por isso, caro leitor, apesar da repetição (perdoem-me desde já) não há forma de exprimir tudo o que sinto sobre esta obra prima com mais de cem versos.

Por: Ivan Junqueira

(...)Poema Sujo essa nova e estranha canção do exílio que constitui talvez a mais alta e bem sucedida experiência realizada de um contemporâneo entre nós no que se refere ao poema longo, de que é escassa, aliás, a moderna poesia brasileira. Exilado pela ditadura que se instalou no país em 1964, Gullar volta à sua infância maranhense para conceber, segundo Vinicius de Moraes, “o mais importante poema escrito em qualquer língua nas últimas décadas”. Para Otto Maria Carpeaux, o poema sujo “merceria ser chamado de poema nacional, porque encarna todas as experiências, vitórias, derrotas e esperanças da vida de um homem brasileiro. (…)
É discursivo, palavroso, pungente, carregado – enfim, sujo. E é nessa sujeira, nessa sinceridade a qualquer preço, que reside exactamente a sua grandeza. Suas fundas entranhas memorialísticas doem, comovem, arrebatam. (…)
Ao ver-se submetido às dolorosas instâncias do exílio que não escolheu, Gullar recosntroi a sua própria vida e, de alguma forma, reescreve a sua poesia através de um regresso às matrizes de sua formação como poeta e como ser humano. Tudo aqui está a serviço de uma única verdade, a da sua existência concreta dentro de uma situação dada, na qual o arbítrio jamais é livre, e com tudo o que nela existe de sublime ou de asqueroso, ou seja, de sujo:

E também rastejais comigo
pelo túneis das noites clandestinas
sob o céu constelado do país
entre fulgor e lepra
debaixo de lençóis de lama e terror
vos esgueirais comigo, mesas velhas,
armários obsoletos gavetas perfumadas de passado,
dobrais comigo as esquinas do susto
e esperais esperais
que o dia venha


(…) Sufocado e sem perspectivas imediatas, o poeta arranca às próprias entranhas essas imagens e metáforas do desespero. E o que fulgura no poema não se reduz à náusea ou aos miasmas de suas vísceras, mas à própria nudez de sua alma, aos ossos que lhe restaram após a dilaceração da carne e de seus efémeros prazeres.

In: Ferreira Gullar – Obra poética, prefácio de Ivan Junqueira

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