segunda-feira, 11 de junho de 2007
Ainda a propósito de Terra Sonâmbula
"Terra Sonâmbula", de Mia Couto
Relato poético das memórias e dos sonhos que a guerra civil destruiu — “Terra Sonâmbula” é o primeiro romance de Mia Couto
Por Raquel Ribeiro
Muidinga, o miúdo, e Tuahir, o velho, seguem estrada fora, em busca “de um outro continente dentro de África”. Como todos os personagens de “Terra Sonâmbula” (1992), andam à deriva num Moçambique esventrado pela guerra civil, banhado em sangue e lágrimas.
Nesta história de uma terra adormecida ao som dos morteiros, o escritor moçambicano Mia Couto (Beira, 1955) continua a fazer do conto (antes deste livro, publicou dois livros de contos, “Vozes Anoitecidas”, 1986, e “Cada Homem É Uma Raça”, 1990) o estilo e marca pessoal de escrita. Daí que se tenha dito que “Terra Sonâmbula” — que foi considerado um dos 12 melhores romances africanos do século XX — é um “grande livro de contos”.
A oralidade como “desarrumação da língua”, o ultrapassar dos limites, a re-invenção e o enriquecimento do “português”, a consagração do vocábulo — de tudo isso “Terra Sonâmbula” é feita. “O encontro entre a oralidade e a escrita é uma das pontes que nos faltam para encontrar neste mundo o nosso mundo”, disse o escritor numa entrevista ao PÚBLICO, que amanhã publicamos.
Mia Couto é poeta, escritor, biólogo e foi jornalista durante os turbulentos anos da independência. Disse muitas vezes que o jornalismo lhe deu disciplina e que a biologia lhe mostrou “outras linguagens”. “Todo o resto devo à poesia”, disse numa entrevista à “Folha de São Paulo” em 1998.
E é a poesia que Mia Couto explora nesta “história dentro da história”, em que a narrativa aparece como a “redenção” do sofrimento da guerra. Mas em “Terra Sonâmbula” a “ausência” de poesia é mais flagrante: nessa África maculada pelo sangue, os homens parecem lutar contra si mesmos, num desespero da solidão na imensa paisagem. O que é, então, este livro no livro, a escrita no abismo?
No meio do nada, Muidinga encontra um livro, o “caderno de Kindzu”, de um “tempo em que o mundo tinha a nossa idade”. Da leitura desse livro surgirá “Terra Sonâmbula” — duas histórias que se entrelaçam, ambas de testemunho doloroso sobre a guerra, ambas de memórias perdidas e de sonhos por conquistar: as memórias de Tuahir, os sonhos de Muidinga. “O próprio Muidinga está como se encantando com as palavras de Tuahir. Não é a estória que o fascina, mas a alma que está nela”, escreve, no livro. “Terra Sonâmbula” são estórias com alma, uma terra em divórcio com os antepassados, a morte com saudades da vida, o som dos sonhos, “com os ruídos da guerra por trás”.
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