sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Caetano Veloso - O CIÚME

Caetano Veloso - O ciúme

Dorme o sol à flor do Chico meio-dia
Tudo esbarra embriagado de seu lume
Dorme ponte, Pernambuco, o rio, Bahia
Só vigia um ponto negro: o meu ciúme
O ciúme lançou sua flecha preta
E se viu ferido justo na garganta
Quem nem alegre, nem triste nem poeta
Entre Petrolina e Juazeiro canta
Velho Chico vens de Minas
De onde o oculto do mistério se escondeu
Sei que o levas todo em ti
Não me ensinas
E eu sou só eu só eu
Juazeiro, nem te lembras dessa tarde
Petrolina, nem te chegaste a perceber
Mas, na voz que canta tudo ainda arde
Tu é perda, tudo quer buscar, cadê
Tanta gente canta, tanta gente cala
Tantas almas esticadas no curtume
Sobre toda estrada, sobre toda sala
Paira, monstruosa, a sombra do ciúme
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SEAN PENN:

Brilhante!

The guitar trio

A versão que pode ser encontrada no álbum "Friday Night in San Francisco" é esmagadoramente melhor do que esta... Mas fica aqui uma "pequena" amostra da energia e quimica detes guitarristas a desafiarem-se constantemente.

Super Guitar Trio


By Walter Kolosky

It was a historic occasion. The appearance of John McLaughlin, Al DiMeola, and Paco DeLucia at San Francisco's Warfield Theatre one Friday night in 1981 was a musical event that could be compared to the Benny Goodman Band's performance at Carnegie Hall in 1938. The Guitar Trio did for the acoustic guitar what Goodman had done for jazz. The acoustic guitar had gone commercial.

In 1979 and 1980, McLaughlin and de Lucia had actually toured Europe with Larry Coryell. McLaughlin tried to release a recording of this group but Columbia would have none of it, claiming Coryell was not a big enough name. Coryell had some personal problems at the time that did not help either. (The video Meeting of the Spirits features this version of the Trio, and it also appears on one cut on DeLucia's album Castro Marin ). When the time came to tour America, DiMeola stepped in. His presence suddenly made the Trio commercial. At any rate, Friday Night in San Francisco was the result.


FNSF truly caught these players' energy, amazing technique and humor to a generous degree. There is no doubt that McLaughlin is the leader (center channel gives that away), but DiMeola and DeLucia more than hold their own. DiMeola, though one of the world's greatest guitar players, lacks the emotional intensity and overall musicality to match McLaughlin or DeLucia. But the Latin influenced music of the Trio allows him to excel in a genre in which he had long dabbled. Not being a jazz player, DeLucia's improvisational work is understandably weaker than the other two. However, the music is as much in DeLucia's bag as anyone?s. The concert is full of call and response, unison playing, heavy chords (courtesy of McLaughlin), and audience screams.


The album's highlight is McLaughlin's duet with DeLucia on an Egberto Gismonti piece, “Frevo Rasgado”. The beautiful melody and stunning improvisation leads to an absolutely hair-raising finale duel. (Gismonti has recorded a beautiful version of his tune on piano.) The recording's lightest moments occur during a hilarious duet version of Chick Corea?s ?Short Tales of the Black Forest,? featuring McLaughin and DiMeola in which the two masters quote back and forth from various sources including Mancini?s ?Pink Panther.? All three players finish the event with a studio version of McLaughlin?s ?Guardian Angel.?


Friday Night in San Francisco may be considered the most influential of all live acoustic guitar albums. Though some have criticized it for its muscular tendencies, the recording certainly captures the excitement of the event itself. In a world of electric guitars, it was quite unusual to hear a crowd go absolutely ballistic over acoustic strumming. It is not so unusual today, and this record is one major reason for that.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Olga, O Filme..



Olga, o filme


Por: Luís Carlos Lopes
La Insignia. Brasil, agosto de 2004.




O filme Olga, de Jayme Monjardim, é um passeio na história da primeira metade do século XX, tendo como pano de fundo o socialismo soviético, a política do Kominterm, o nazismo, a Segunda Guerra Mundial e a ditadura Vargas, no Brasil. O caso, bem conhecido pelos mais engajados, terminou com a deportação e morte em campo de concentração (1942) de Olga Benário Prestes, grávida de sua filha Anita Prestes (viva em todos os sentidos no Brasil de hoje), também filha do mais importante líder comunista da América Latina, Luiz Carlos Prestes, que ficou preso de 1936 a 1945, como um dos reféns da Segunda Grande Guerra.
Pela primeira vez, quase setenta anos após, o caso é compartilhado com o grande público do cinema. Na década de 1980, na crise da ditadura militar, livros e notícias na imprensa comentaram o fato, quase meio século depois de acontecido. Antes, todos sabiam o que havia ocorrido e engoliam em seco um dos crimes da ditadura Vargas. Aliás, este senhor ainda consegue, apesar de tudo, ser reverenciado até pela esquerda, depois de seus mil e um crimes do passado. O seu dramático suicídio em 1954, no contexto de uma tentativa de Golpe de Estado a ser perpetrado pela direita, e os fatos do período da ditadura militar (1964-1984) serviram para absolvê-lo de seus crimes e manter a sua máscara predileta de amigo dos trabalhadores e defensor da nacionalidade.

Espera-se que o filme ajude no desmonte do ídolo e na compreensão de que sempre vivemos em um estado de sítio, não importando muito quem ocupa o poder central. O problema é que a natureza deste poder é sempre constituída contra a maioria. Não é possível o estabelecimento de uma democracia, mesmo que formal, tal como as européias, enquanto sobreviverem tais níveis brasileiros e latino-americanos de opressão econômica, social e cultural. Os que dizem que se busca a igualdade de oportunidades para todos, estão de fato mentindo, escondendo que estão trabalhando para os inimigos de sempre.

Sob o ponto de vista cinematográfico, há várias falhas na arte de representar e no roteiro dado aos protagonistas do drama. Muitos implicarão com a baixa qualidade artística de várias passagens e do conjunto da obra. Outros insistirão, não sem razão, com a falta de rigor histórico-documental e com as omissões e torções muito significativas de fatos capitais. Todos terão razão, a priori, em suas críticas. Trata-se do primeiro longa-metragem de um diretor de telenovelas, acostumado à pressa e à inconsistência intelectual deste tipo de trabalho. Mas, Jayme Monjardim, antes guerrilheiro da diáspora revolucionária do final dos anos sessenta, não poderá ser acusado de não ter sido fiel às suas origens.

O diretor e responsável pelo filme não abrandou suas críticas ao Estado brasileiro e à figura do ditador. Foi fundo nas responsabilidades. Demonstrou o crime de se deportar uma sonhadora grávida e revolucionária (sem jamais ter matado ninguém), pelo crime de ser judia, comunista e sobretudo, por ter amado um brasileiro que se opôs à sua ditadura pessoal. Um presente para Hitler e o afogamento das misérias humanas de quem jamais se rendeu ao amor e jamais teve um caso similar em sua pobre existência, repleta de mesquinharias, frustrações pessoais e desgraça moral, que culminaram em seu patético suicídio em 1954.

Só isto tudo recomenda o filme, um libelo na defesa do sonho de liberdade e de justiça social que atravessa os limites do comunismo, da antiga União Soviética, do extinto Partido Comunista Brasileiro (por mais que exista quem reivindique a sigla) e da extinta idéia do revolucionário profissional encarnada por Olga. Em um cenário de tantas extinções, sobra o desejo humanista de uma sociedade mais justa e do fim de todos os tipos de opressão que conhecemos. Isto inclui a opressão da alienação e da incompreensão da realidade circundante. Também se refere à opressão da condição feminina, dividida entre o desejo de mudar o mundo e o gozo legítimo da felicidade.

Uma das cenas mais pungentes da película é quando Olga vê da janela do 'aparelho' que ocupa no subúrbio do Méier, em que seria aprisionada, (Zona da Central do Brasil, no Rio de Janeiro), a passagem de um bloco de carnaval. Simboliza o sonho de felicidade social e, ao mesmo tempo, as impossibilidades de mudar o mundo de cima para baixo. Isto ocorreria, sem perguntar, aos prováveis beneficiários da mudança, se eles a desejam de fato.

O Brasil, com suas imensas contradições, devem ter abalado as certezas de Olga, mas isto por obra dos nazistas daqui e de lá, jamais saberemos. O que sabemos é que Olga, ao contrário de seu companheiro ilustre, jamais transigiu ao poder. Morreu tributária de suas convicções e de seu casamento com os pobres e oprimidos. Dificilmente, Olga teria aceitado apoiar Vargas, apesar de tudo, porque assim os soviéticos desejaram. Mesmo sendo alemã e judia, Olga, de algum modo, foi profundamente brasileira. Estará viva em nossa memória para sempre.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Do alto dos teus sobrados


Teu solo-irmão da terra suja
Da bem velha, São Salvador da Bahia,
Baía de todas as fontes,
Entranha-se toda em mim,
Ó ser lusitano.
Tão indiferente esse teu mundo,
Aos que de ti fizeram, a musa prisioneira…
Transbordas de compaixão,
Pelas imensas praças,
De cores ligeiras e miseráveis,
De tantos azuis e tantos brancos,
De Um imenso reino amarelo-claro.

Os teus tupis-iorubás trazem-nos
Tudo à memória…
De uma África-Brasil, Ben Jor.
Dessas imensas africas,
Angola, Congo, Benguela
Prontas para ver,
Zumbi chegar.

Contigo estou, irmão…
Diante das grandes,
Colunas de Pedra,
Dos turísticos pelouros…
De uma efervescência cultural,
Banalizada ao ritmo dos que pagam
Onde outrora rolou o sangue,
De meus irmãos escravos,
Uma eterna sujeira de mãos claras,
Que não esqueces, nessa piedosa essência.

Os capitães e jubiabás da minha infância
Por ti esperaram adormecidos,
Bem como,
A tua natureza privada,
A tua mistura grotesca,
A sensual mistura de Alegria e Sexo,
Por tua beleza pura, de tão suja,
Que se vê clara.

Ao teor da mãe menininha,
Acrescentas, ao teu grei,
O mistério e a luz.
Enriqueceste o teu povo sedento,
As denuncias vermelhas,
Do teu mais que Amado rebento,
Searas mil e
Ásperos os tempos
Dos nossos imperadores, mas,
Dos teus templos e tua perpetua vontade…

Tiago Pereira da Silva

Los Hermanos - Fez-se mar



Fez-se mar
Sem ar no meu penar
Demora não, demora não

Vai ver, o acaso entregou
Alguém pra lhe dizer
O que qualquer dirá
Parece que o amor chegou aí
Eu não estava lá, mas eu vi

Clareira no tempo
Cadeia das horas
Eu meço no vento
O passo de agora
E o próximo instante, eu sei, é quase lá
Peço não saber até você voltar, ah...

Vai ver, o acaso entregou
Alguém pra lhe dizer
O que qualquer dirá
Parece que o amor chegou aí
Eu não estava lá, mas eu vi

Clareira no tempo
Cadeia das horas
Eu meço no vento
O passo de agora
E o próximo instante, eu sei, é quase lá
Peço não saber até você voltar, ah...

Marcelo Camelo

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

A nova Maria Rita

Conversa de Botequim (Som Brasil)


Tema do saudoso Noel Rosa.

O aguardado terceiro disco de Maria Rita, intitulado "Samba Meu" sairá em Setembro.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

O Velho Francisco

Já gozei de boa vida
Tinha até meu bangalô
Cobertor, comida
Roupa lavada
Vida veio e me levou

Fui eu mesmo alforriado
Pela mão do Imperador
Tive terra, arado
Cavalo e brida
Vida veio e me levou

Hoje é dia de vista
Vem aí meu grande amor
Ela vem toda de brinco
Vem todo domingo
Tem cheiro de flor

Quem me vê, vê nem bagaço
Do que viu quem me enfrentou
Campeão do mundo
Em queda de braço
Vida veio e me levou

Li jornal, bula e prefácio
Que aprendi sem professor
Freqüentei palácio
Sem fazer feio
Vida veio e me levou

Hoje é dia de vista
Vem aí meu grande amor
Ela vem toda de brinco
Vem todo domingo
Tem cheiro de flor

Eu gerei dezoito filhas
Me tornei navegador
Vice-rei das ilhas
Da Caraíba
Vida veio e me levou

Fechei negócio da China
Desbravei o interior
Possuí mina
De prata, jazida
Vida veio e me levou

Hoje é dia de visista
Vem aí meu grande amor
Hoje não deram almoço, né
Acho que o moço até
Nem me lavou

Acho que fui deputado
Acho que tudo acabou
Quase que
Já não me lembro de nada
Vida veio e me levou

Francisco Buarque de Hollanda

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

As vidas do Advérbio

O tempo, o modo e o lugar do ser
Hoje queres fazer o bem
Logo te aprontas e esqueces o mal,
Ainda assim, me devoras aqui e acolá,
Ontem, o hoje e o amanhã.
Enfim conheces tudo de sobremaneira.
Doravante, aliarás o meu sangue, enfim.

A quantidade exige a dúvida
Provavelmente não tens dúvidas de nada,
Quiçá incluas o meu ser todo,
Talvez queiras o mais que tudo,
Porventura com ele estás mesmo a salvo,
Acaso o tudo não te chegue!
Possivelmente estás farta; um tanto ou quanto?

Rodrigo Camelo

Minha Irmã




Minha irmã no tempo e no espaço,
Quando te emprestam a madrugada escura,
Perdes-te no meio,
No ritmo do cosmos.
Erguem-se tantas e tantas,
Que já não te vejo.
Mas quando te olho atento,
Aliás, como deves ser olhada…
Vejo que dás lugar,
À mais que evidente realidade.
Brilhas com aquela gravidade,
Que só a minha e a tua pessoa podem,
Jamais entender...

Do brilho de uma outra verdade,
A inexistência da tua luz,
Ferem e adormecem o meu ser.
Deixam-me muito aquém do que sou,
E do que posso ser,
Quando enfim, enche-se novamente
De ritmo a minha vida.
Com o aconchegante bater do teu pulso,
Sei então,
Que da inteira existência
Não preciso mais,
Que teu Céu.
Porque é onde encontro o meu eterno chão,
E onde te encontro no chão pleno...
Pleno de toda a matéria.

Tiago Pereira da Silva

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Bob Marley - War

Until the philosophy which hold one race superior
And another
Inferior
Is finally
And permanently
Discredited
And abandoned -
Everywhere is war -
Me say war.

That until there no longer
First class and second class citizens of any nation
Until the colour of a man's skin
Is of no more significance than the colour of his eyes -
Me say war
.

That until the basic human rights
Are equally guaranteed to all,
Without regard to race -
Dis a war.

That until that day
The dream of lasting peace,
World citizenship
Rule of international morality
Will remain in but a fleeting illusion to be pursued,
But never attained -
Now everywhere is war - war.

And until the ignoble and unhappy regimes
that hold our brothers in Angola,
In Mozambique,
South Africa
Sub-human bondage
Have been toppled,
Utterly destroyed -
Well, everywhere is war -
Me say war.

War in the east,
War in the west,
War up north,
War down south -
War - war -
Rumours of war.
And until that day,
The African continent
Will not know peace,
We Africans will fight - we find it necessary -
And we know we shall win
As we are confident
In the victory

Of good over evil -
Good over evil, yeah!
Good over evil -
Good over evil, yeah!
Good over evil -
Good over evil, yeah!

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Crítica ao nosso sistema de ensino...

….”Se nós fizéssemos um trabalho, um pouquinho mais aprofundado sobre isso, chegaríamos à conclusão de que a maior parte do jovens estudantes, não estuda preparando, antecipando, ou de acordo com a forma como lhe vai ser perguntado no teste ou na prova. Mas isso levar-nos-ia a uma 2ª consideração. Se todos o fizessem, chegaríamos à evidência de que a maioria sabe efectivamente, muito pouco sobre aquela matéria específica".

Rodrigo Camelo

domingo, 19 de agosto de 2007

A propaganda política do CSI Miami...


O fervilhar de ideias
Quem não gosta do CSI?

Definitivamente, eu!


Confesso, que muitas vezes nem sei responder exactamente porquê. Não sei se a reposta tem que ver com o formato da série, creio que não, ou se tem mais a ver com a qualidade do produto em causa. Não acho, nem nunca achei a série CSI (caiba aqui uma certa distinção entre as diferenças – Miami, Nova Iorque, etc) muito bem representada, admitindo porém que, também não sou grande adepto de modas criadas. Sobre a primeira razão, bem sei que não sendo da área e não tendo competência técnica para avaliar a, quanto a mim, inexplicável direcção de actores, sustento a opinião que a série parece-me, uma espécie de fast-food televisivo, bem ao jeito dos senhores do norte da América. Dar-vos-ia imensos exemplos de séries que, como produto acabado para consumo de massas, cumprem em muitos domínios, aquilo a que, quanto a mim a série CSI se propõem, mas está efectivamente a milhas de distância.
O que me leva a escrever sobre uma série que me faz, ou fez, perder poucos minutos do meu tempo, presenteando as magníficas audiências da mesma, é o facto de considerar extremamente perigoso, para não usar outra palavra melhor, a utilização deste tipo de série como um meio de propaganda politica. Bem sei que isso é feito a “torto e a direito” no cinema. Nos anos 60 e 70 no período mais que complexo da guerra fria as séries eram, também elas, um meio de e influenciar as massas.
Mas vejamos uma coisa! Qual será o público-alvo do CSI, nomeadamente em Portugal? A verdade é que quase todas as pessoas que conheço nos (vinte e…) vêem. O episódio de ontem exibido num canal português, foi pérfido, de tão real militância politica. Genericamente, ontem passou um episódio anti-castrista (Fidel Castro). O alvo até podia ser Fidel implícita e explicitamente, mas o pano de fundo e que acaba inadvertidamente por sofrer as consequências é o povo Cubano. Tratava-se naturalmente de um episódio de propaganda politica da série do CSI Miami. Não vou para aqui começar a atirar “postas de pescadas” sobre o regime cubano, aquilo que maioria de nós faz e até, ou sobretudo, analistas políticos. Bem sei que o regime em Cuba não é perfeito e pior, está muito longe de o ser. Existem efectivamente situações inexplicáveis em Cuba. Mas decididamente, não dou daquela “turma” cujo alvo a abater é um Sr. Chamado Fidel Castro.
Invocando uma entrevista recente de Chico Buarque, entrevista essa (e é importante não se pensar o contrario) de um descomprometimento político acentuado, Chico dizia a propósito de Cuba e Brasil, que pelo menos os Cubanos tinham resolvido grande parte das necessidades básicas de um povo. Saneamento básico, acesso gratuito ao ensino, uma saúde de primeiro mundo, investimento brutal na cultura. E não, mantê-lo propositadamente adormecido nos contornos perigosos da ignorância, como tão bem denunciou Chico no seu livro Fazenda Modelo – Novela Pecuária sobre o seu Brasil da ditadura militar, livro que parece hoje esquecido. Devia mesmo ser ensinado nas escolas de tão importante na construção critica que exige do leitor. Com o mérito brutal de nos desafiar a ser críticos e de lutar contra estas sociedades acriticias e sem expressão. É que se olharmos bem para quase toda a América Latina, defronta-se com a pobreza que existe em Cuba, mas certamente não tem o prestigiante modelo social Cubano.
Voltando aos perigos, manifestamente demonstrados na série de ontem, quantos jovens questionarão a mensagem politica que se habituaram a ver nos meios de comunicação portuguesa. Tomarão já como verdade irrefutável? E pior, quantos estarão na eminência de poder ser críticos do produto que consomem? Não basta só mudarmos de canal… é preciso denunciar, espevitar as mentalidades. Ter, de certa forma, uma acção cívica. O silêncio não é uma arma dos fracos, é aquela que parece devolvida à génese de um povo, por razões de natureza endémica de décadas e décadas de um regime cinzento e que, demora e teima em desaparecer.

Por: Tiago Pereira da Silva

sábado, 18 de agosto de 2007

Chico Buarque - O Meu Amor

O meu amor
Chico Buarque/1977-1978
Para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarque





Teresinha: O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca
Quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada, ai

Lúcia: O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos
Viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo
Ri do meu umbigo
E me crava os dentes, ai

As duas: Eu sou sua menina, viu?
E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha
Do bem que ele me faz

Lúcia: O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
De me deixar maluca
Quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba malfeita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita, ai

Teresinha: O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios
De me beijar os seios
Me beijar o ventre
E me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo
Como se o meu corpo fosse a sua casa, ai

A duas: Eu sou sua menina, viu?
E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha
Do bem que ele me faz


"Music is the last true
voice of the human spirit.
It can go beyond language,
beyond age and beyond color...
Straight to the heart and mind of people
"
Ben Harper

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Campeonato Mundial do Rock n' Roll: "Desculpa... em que lugar ficaram os Stones?"


Por: Tiago Pereira da Silva

Ganho, a cada dia que passa, mais "asco" e perdoem-me a expressão, por uma certa e determinada crítica, comentário que faz lembrar, eu sei, um tal de Ricardo Araújo Pereira. Bem, mas estava eu a dizer, exacto, fui confrontado hoje, por duas vezes, coincidentemente, ou não, por rankings de música. Já vou explicar melhor. Comprei a (ás vezes interessante) revista– Mojo, The Music Magazine. Com um destaque, absolutamente “ferino” à obra daqueles que, poderão muito bem ser considerados (a par dos The Who, digo eu), como a maior banda de Rock and Roll de todos os tempos – Esses mesmo que estão a pensar, The Rolling Stones. Bem mas já terei caído eu também nesta tentação?
Já vão perceber…
A revista, da especialidade, é feliz na abordagem, na pertinência das matérias, mas no entanto peca, no meu entender, por estabelecer uma espécie de Ranking das melhores 50 músicas dos Stones. Onde está a virtude do artigo, é também onde reside, aquando de uma análise mais cuidada, o seu problema. A abordagem é um veículo para entrarmos no universo das canções Stoneanas, mas não é de todo, despropositado empenharmo-nos numa subsequente reflexão. É conveniente dizer, antes da explicação, que, cada uma, foi escolhida e comentada por um músico famoso (exemplo: Brian Wilson, Chris Hilman, etc.
É evidente que a criação de, e vamos lhe chamar assim recorrendo a uma palavra da moda, uma “espécie de ranking”, torna o produto mais apetecível, no entanto e se é claro que existem músicas melhores que outras, com resultados finais mais felizes, também não mentimos se dissermos que essa apreciação, por mais que seja feita por especialistas, é no mínimo subjectiva. A obra de arte não se “classifica” e coloca-se num “ranking”, mas aprecia-se e estuda-se aprofundadamente. A obra de arte não se define, contempla-se.
Este jornalismo preguiçoso, como apelidou recentemente (se bem que por outras razões) Rodrigo Amarante de Los Hermanos é extensível também, penso eu, a esta organização e abordagem jornalística. No fundo, o que parece dar gozo a este tipo de críticos, é uma abordagem competitiva da música, criando um género de “torneios”, que torna a música como um produto mais apetecível. Eu, sabendo destas eternas listas de: “Melhores discos de sempre”, “melhor guitarrista de sempre”, “melhor música de sempre”, etc, tenho, muitas vezes, a tendência de cair neste tipo de apreciações. Daí considerá-las tão perigosas de simplistas e subjectivas, que são. Não será muito discutível, que existem músicas melhores que outras, discos mais apreciados e influentes que outros, mas será possível que, não poderemos apreciar igualmente obras como: The Beatles – Sgt. Peppers e Beach Boys – Pet Sounds sem atribuir um 1º e um 2º lugar. Isso não é, decididamente, o mais importante quando conversamos sobre música. E só para dar outro exemplo, que contra mim fala. Faço muitas vezes a seguinte apreciação: Para mim Jimi Hendrix é o músico anglo-saxónico mais influente dos anos 60, ou, Bob Dylan o maior escritor de canções de língua inglesa que o século XX viu nascer. Por mais que ambos sejam sobejamente apreciados, é muitíssimo subjectivo estabelecer essa classificação.
É verdade, resta dizer que esta é a mesma revista, que coloca como frase chave, na capa, completamente descontextualizado das afirmações de Keith (Richards dos Stones): - “Mick would be nowhere without me!”. Mais palavras para quê…

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

O Herói


Nasci num lugar que virou favela
cresci num lugar que já era
mas cresci a vera
fiquei gigante, valente, inteligente
por um triz não sou bandido
sempre quis tudo o que desmente esse país
encardido
descobri cedo que o caminho
não era subir num pódio mundial
e virar um rico olímpico e sozinho
mas fomentar aqui o ódio racial
a separação nítida entre as raças
um olho na bíblia, outro na pistola
encher os corações e encher as praças
com meu guevara e minha coca-cola
não quero jogar bola pra esses ratos
já fui mulato, eu sou uma legião de ex mulatos
quero ser negro 100%, americano,
sul-africano, tudo menos o santo
que a brisa do brasil briga e balança
e no entanto, durante a dança
depois do fim do medo e da esperança
depois de arrebanhar o marginal, a puta
o evangélico e o policial
vi que o meu desenho de mim
é tal e qual
o personagem pra quem eu cria que sempre
olharia
com desdém total
mas não é assim comigo.
é como em plena glória espiritual
que digo:
eu sou o homem cordial
que vim para instaurar a democracia racial
eu sou o homem cordial
que vim para afirmar a democracia racial
eu sou o herói
só deus e eu sabemos como dói


Caetano Veloso - do álbum "CÊ"

Rodrigo Amarante X Repórter

Este Rodrigo Amarante (de Los Hermanos) Vs Repórter, a fazer lembrar um estilo muito Bob Dylan de responder à imprensa. Não deixa de ser fabulosa a forma muitíssimo inteligente com que responde, sem nunca perder a educação. Colocou o jornalista num enorme buraco, local aliás, de onde nunca devia ter saído.

O homem velho (II Parte)

Quando fores convidado a ouvires a história
E entenderes dos teus dois mil e um – perdão!
Criaste a cena-circo e mataste o menino ser…
Que alimentavas de quando a quando,
Com um pouquinho da tua verdade.
Quando surgiste, iniciaste em mim, o engenho
Com arte, não te limitaste a ligar o motor,
Mas a tece-lo, peça a peça.
A destruir pareces fascinado!
Iluminado que estavas da tua razão.
Mas esse fundamento matou-te,
Sempre um pouco.
Porque te impede de veres e enxergares os outros ,
Que como tu… são feitos
De efeitos que são,
De defeitos…Perdão!
Morreste um pouco eu sei,
Porque sou filho da tua magia,
Da que guardaste, pacientemente.
Queimaste e torturaste até ficar saciado.
Derramas todo o álcool no meu pranto,
Enxugas mágoas,
De um passado nunca perdido,
Mas nunca encontrado.
És convidado a ler…
E eu, a ouvir perdão!

Rodrigo Camelo

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Música I (Primeira)


Ser você não é fácil
Ser como tu também não...
Faz tudo o que é preciso
E o que não é preciso em vão
Vai tomar o teu lugar outra vez,
Nem precisas de contar até três,
Basta apertares aqui, de novo
E do velho fazes novo...

Ser como tu não é fácil
Pois cabes em todas as palavras,
No sub-solo do teu ter...
Despes a loucura naquela esquina
Contornas os automóveis
E retornas com ares de ver
O teu lugar é a ponte de Lima
O meu, o da rima não achada
Porque assinas e não ensinas nada
Estás doente do teu ser

Por: Tiago Pereira da Silva

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

A Utopia segundo Che Guevara - Viriato Teles


Dignidade. Eis uma palavra-chave para definir a vida e obra de Ernesto Guevara de La Serna, o Che. Aventureiro, sonhador, irrealista – antes e depois da sua morte foram vários os epítetos com que a direita clássica e a esquerda oficial tentaram, no final dos anos 60 e princípios dos 70, domar as multidões de jovens que, fascinados pelo exemplo do comandante guerrilheiro, exigiam a «a imaginação do poder».
Passadas as euforias do Maio de 68 francês e do Abril 74 português, a Europa não chegou a servir de cenário a mais nenhuma revolução. Mansificada como o resto do mundo, transformou o Che em mais um símbolo, um poster para ter no quarto ao lado de Humhrey Bogart , jim Morrison, Kurt Cobain, James Dean ou Marilyn Monroe. Nada, afinal, que Lenine não tivesse previsto cinquenta nãos antes: «Depois de mortos os revolucionários mais puros, procuram converte-los em ícones inofensivos, por assim dizer canonizá-los, cercando o seu nome de uma auréola de glória para consolar as classes oprimidas e para as enganar, ao mesmo tempo que se esteriliza a substancia dos seus ensinamentos revolucionários embotando-lhe o gume e degradando-a»
Mas este é apenas o lado mais mercantil, imediatista e necessariamente redutor das epopeias da Sierra Maestra e de Vallegrande. Mesmo para quem não acredita em inevitabilidades históricas, é inegável que a figura e o exemplo de Che Guevara continuam a ser um estimulo para milhões de explorados em todo o mundo, uma réstia de esperança para quem já não tem mais nada a não ser desespero. Foi esta esperança desesperada que esteve na origem da ultima das grandes acções de guerrilha urbana da América Latina - o assalto à embaixada do Japão em Lima, no Peru, protagonizado em 1996 pelo movimento Tupac Amaru, que durou quatro meses e só terminou, tragicamente para os guerrilheiros, depois de um ataque surpresa planeado e ordenado pelo então presidente Alberto Fujimori. O mesmo que, quatro anos depois, falsificaria a constituição do Peru para ser reeleito pela terceira vez, mas que acabaria por abandonar o poder e o país, acusado de crimes de corrupção e homicídio.
Mas foi também essa esperança, sedimentada em mais trinta anos de lutas, onde o exemplo do Che foi frequentemente a motivação mais forte dos oprimidos, que levou Hugo Chávez e Luís Inácio Lula da Silva ao poder, na Venezuela e Brasil – mesmo se, neste último, a esperança tem vindo a ser paulatinamente substituída por um cada vez maior desencanto, fruto de sucessivas cedências aos senhores do mundo que o governo presidido pelo antigo operário tem vindo a protagonizar e que têm vindo a ser denunciadas pela generalidades daqueles que, em 2002, depositaram em Lula as suas esperanças de mudança.
Obviamente, a luta continua: a tenacidade do Movimento dos Sem-Terra, no Brasil, e as acções de guerrilheiras de novo tipo levadas a cabo desde os anos 90’ por movimentos como o Exército Zapatista de Libertação Nacional, no México, configuram hoje um claro cruzamento entre as teses gueveristas e a sociedade de informação. À globalização imperialista, os novos movimentos procuram contrapor uma lógica de solidariedade global, que implica não tanto a rejeição do sistema, mas sobretudo a exploração das suas fragilidades. (…)
Mas o século que ainda agora começou não se apresenta risonho. Os Estados Unidos da América já nem se preocupam em camuflar a sua ânsia de domínio do mundo, perante uma União Europeia dividida mas servil, uma Rússia saqueada e convertida ao brilho dos dólares, e uma China ex-inimiga que conseguiu tornar-se um parceiro respeitadíssimo da Organização Mundial de Comércio ao conciliar a ditadura do proletariado com a bolsa de valores, dando origem ao socialismo de mercado – que, em rigor, pode definir-se como o autêntico estádio superior do capitalismo: mão-de-obra barata, nível zero de reivindicações laborais, horários de trabalho alargado e nenhuns encargos extra.
Agora, que o mundo se normalizou e o salve-se quem puder dita a ordem e progresso da comunidade global, que futuro pode haver para um projecto alternativo de organização social? Nestes tempos de incerteza, revisitar os lugares e as pessoas do universo guevariano não deve ser praticado nem como exercício de saudosismo, nem como um exorcismo inconsequente. O socialismo por que lutou Guevara não era dos tanques de Praga, Budapeste ou Tiannanmen. A cidade sem muros e sem ameias que Zeca cantou e foi o propósito da luta do Che, mesmo dissimulada pelas incertezas quotidianas, permanece – ai de nós se assim não fosse! Como objectivo maior no horizonte da Humanidade.

Viriato Teles
- jornalista
In: A Utopia segundo Che Guevara (Antes de Começar)

«Quem hoje pretender retomar os motivos que explicam e justifiam Ernesto Guevara e a sua representação encontra, neste belo livro de Viriato Teles, um excelente viático para jornada. O homem cuja a face grandiosa lembra a de um Cristo estigmatizado, ainda hoje faz tremer muita gente, ainda hoje faz estremecer o coração de milhões. Havia nele algo de divino porque era simplesmente um homem».

Baptista-Bastos

terça-feira, 7 de agosto de 2007

A existência das Plantas



Por: Tiago Pereira da Silva

A incerteza cobre toda a matéria.
As plantas são as únicas filhas legítimas da Terra,
As que não conhecemos de modo nenhum,
As que não gravitam em nenhuma memória colectiva.
As que não dizem perdão, porque não erram.
Alguns chamam-lhe Seiva,
Outros de tão bruta,
Fazem dela, elaborada.
Salvam penhascos imensos
E planícies inteiras também.

A força de seu desespero
A cada lodo trilhado
Comunica-lhe o desejo
De um dia perceberem a sua existência
Certa e verdadeira,
Como uma história de Amado.
A existência das Plantas,
Não se percebe só,
Pela música de Pedro Luís,
Nem pela vida secreta de Stevie.
Mas também por quem
Um dia cessou caminho
E ressurgiu flor.


Inspirado na música: "The Secret Life Of Plants" de Stevie Wonder

José Mário Branco - FMI


Vou, vou-vos mostrar mais um pedaço da minha vida, um pedaço um pouco especial, trata-se de um texto que foi escrito, assim, de um só jorro, numa noite de Fevereiro de 79, e que talvez tenha um ou outro pormenor que já não é muito actual. Eu vou-vos dar o texto tal e qual como eu o escrevi nessa altura, sem ter modificado nada, por isso vos peço que não se deixem distrair por esses pormenores que possam ser já não muito actuais e que isso não contribua para desviar a vossa atenção do que me parece ser o essencial neste texto.
Chama-se FMI.
Quer dizer: Fundo Monetário Internacional.
Não sei porque é que se riem, é uma organização democrática dos países todos, que se reúnem, como as pessoas, em torno de uma mesa para discutir os seus assuntos, e no fim tomar as decisões que interessam a todos...
É o internacionalismo monetário!


FMI

Cachucho não é coisa que me traga a mim
Mais novidade do que lagostim
Nariz que reconhece o cheiro do pilim
Distingue bem o mortimor do meirim
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Há tanto nesta terra que ainda está por fazer
Entrar por aí a dentro, analisar, e então
Do meu 'attachi-case' sai a solução!

FMI Não há graça que não faça o FMI
FMI O bombástico de plástico para si
FMI Não há força que retorça o FMI

Discreto e ordenado mas nem por isso fraco
Eis a imagem 'on the rocks' do cancro do tabaco
Enfio uma gravata em cada fato-macaco
E meto o pessoal todo no mesmo saco
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Não ando aqui a brincar, não há tempo a perder
Batendo o pé na casa, espanador na mão
É só desinfectar em superprodução!

FMI Não há truque que não lucre ao FMI
FMI O heróico paranóico 'hara-quiri'
FMI Panegírico, pro-lírico daqui

Palavras, palavras, palavras e não só
Palavras para si e palavras para dó
A contas com o nada que swingar o sol-e-dó
Depois a criadagem lava o pé e limpa o pó
A produtividade, ora nem mais, célulazinhas cinzentas
Sempre atentas
E levas pela tromba se não te pões a pau
Num encontrão imediato do 3º grau!

FMI Não há lenha que detenha o FMI
FMI Não há ronha que envergonhe o FMI
FMI ...

Entretém-te filho, entretém-te, não desfolhes em vão este malmequer que bem-te-quer, mal-te-quer, vem-te-quer, ovomalt'e-quer, messe gigantesca, vem-te vindo, vi-me na cozinha, vi-me na casa-de-banho, vi-me no Politeama, vi-me no Águia D'ouro, vi-me em toda a parte, vem-te filho, vem-te comer ao olho, vem-te comer à mão, olha os pombinhos pneumáticos que te orgulham por esses cartazes fora, olha a Música no Coração da Indira Gandi, olha o Muchê Dyane que te traz debaixo d'olho, o respeitinho é muito lindo e nós somos um povo de respeito, né filho? Nós somos um povo de respeitinho muito lindo, saímos à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas, né filho? Consolida filho, consolida, enfia-te a horas certas no casarão da Gabriela que o malmequer vai-te tratando do serviço nacional de saúde. Consolida filho, consolida, que o trabalhinho é muito lindo, o teu trabalhinho é muito lindo, é o mais lindo de todos, como o astro, não é filho? O cabrão do astro entra-te pela porta das traseiras, tu tens um gozo do caraças, vais dormir entretido, não é? Pois claro, ganhar forças, ganhar forças para consolidar, para ver se a gente consegue num grande esforço nacional estabilizar esta destabilização filha-da-puta, não é filho? Pois claro! Estás aí a olhar para mim, estás a ver-me dar 33 voltinhas por minuto, pagaste o teu bilhete, pagaste o teu imposto de transação e estás a pensar lá com os teus botões: Este tipo está-me a gozar, este gajo quem é que julga que é? Né filho? Pois não é verdade que tu és um herói desde de nascente? A ti não é qualquer totobola que te enfia o barrete, meu grande safadote! Meu Fernão Mendes Pinto de merda, né filho? Onde está o teu Extremo Oriente, filho? Ah-ni-qui-bé-bé, ah-ni-qui-bó-bó, tu és 'Sepuldra' tu és Adamastor, pois claro, tu sozinho consegues enrabar as Nações Unidas com passaporte de coelho, não é filho? Mal eles sabem, pois é, tu sabes o que é gozar a vida! Entretém-te filho, entretém-te! Deixa-te de políticas que a tua política é o trabalho, trabalhinho, porreirinho da Silva, e salve-se quem puder que a vida é curta e os santos não ajudam quem anda para aqui a encher pneus com este paleio de Sanzala e ritmo de pop-xula, não é filho?
A one, a two, a one two three

FMI dida didadi dadi dadi da didi
FMI ...

Come on you son of a bitch! Come on baby a ver se me comes! Come on Luís Vaz, 'amanda'-lhe com os decassílabos que os senhores já vão ver o que é meterem-se com uma nação de poetas! E zás, enfio-te o Manuel Alegre no Mário Soares, zás, enfio-te o Ary dos Santos no Álvaro de Cunhal, zás, enfio-te o Zé Fanha no Acácio Barreiros, zás, enfio-te a Natalia Correia no Sá Carneiro, zás, enfio-te o Pedro Homem de Melo no Parque Mayer e acabamos todos numa sardinhada ao integralismo Lusitano, a estender o braço, meio Rolão Preto, meio Steve McQueen, ok boss, tudo ok, estamos numa porreira meu, um tripe fenomenal, proibido voltar atrás, viva a liberdade, né filho? Pois, o irreversível, pois claro, o irreversívelzinho, pluralismo a dar com um pau, nada será como dantes, agora todos se chateiam de outra maneira, né filho? Ora que porra, deixa lá correr uma fila ao menos, malta pá, é assim mesmo, cada um a curtir a sua, podia ser tão porreiro, não é? Preocupações, crises políticas pá? A culpa é dos partidos pá! Esta merda dos partidos é que divide a malta pá, pois pá, é só paleio pá, o pessoal na quer é trabalhar pá! Razão tem o Jaime Neves pá! (Olha deixaste cair as chaves do carro!) Pois pá! (Que é essa orelha de preto que tens no porta-chaves?) É pá, deixa-te disso, não destabilizes pá! Eh, faz favor, mais uma bica e um pastel de nata. Uma porra pá, um autentico desastre o 25 de Abril, esta confusão pá, a malta estava sossegadinha, a bica a 15 tostões, a gasosa a sete e coroa... Tá bem, essa merda da pide pá, Tarrafais e o carágo, mas no fim de contas quem é que não colaborava, ah? Quantos bufos é que não havia nesta merda deste país, ah? Quem é que não se calava, quem é que arriscava coiro e cabelo, assim mesmo, o que se chama arriscar, ah? Meia dúzia de líricos, pá, meia dúzia de líricos que acabavam todos a fugir para o estrangeiro, pá, isto é tudo a mesma carneirada! Oh sr. guarda venha cá, á, venha ver o que isto é, é, o barulho que vai aqui, i, o neto a bater na avó, ó, deu-lhe um pontapé no cu, né filho? Tu vais conversando, conversando, que ao menos agora pode-se falar, ou já não se pode? Ou já começaste a fazer a tua revisãozinha constitucional tamanho familiar, ah? Estás desiludido com as promessas de Abril, né? As conquistas de Abril! Eram só paleio a partir do momento que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia, não é nada comigo, não é nada comigo, né? E os da frente que se lixem... E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada, precisas de paz de consciência, não andas aqui a brincar, né filho? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém e atiras as culpas para os da frente, para os do 25 de Abril, para os do 28 de Setembro, para os do 11 de Março, para os do 25 de Novembro, para os do... que dia é hoje, ah?

FMI Dida didadi dadi dadi da didi
FMI ...

Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? Esta merda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta merda ande, tenho dito. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer isto dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular! Somos todos muita bons no fundo, né? Somos todos uma nação de pecadores e de vendidos, né? Somos todos, ou anti-comunistas ou anti-faxistas, estas coisas até já nem querem dizer nada, ismos para aqui, ismos para acolá, as palavras é só bolinhas de sabão, parole parole parole e o Zé é que se lixa, cá o pintas azeite mexilhão, eu quero lá saber deste paleio vou mas é ao futebol, pronto, viva o Porto, viva o Benfica, Lourosa, Lourosa, Marraças, Marraças, fora o arbitro, gatuno, bora tudo p'ro caralho, razão tinha o Tonico de Bastos para se entreter, né filho? Entretém-te filho, com as tuas viúvas e as tuas órfãs que o teu delegado sindical vai tratando da saúde aos administradores, entretém-te, que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais, entretém-te filho, que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho, entretém-te, que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar, entretém-te, que o FMI trata da saúde ao Eanes, entretém-te filho e vai para a cama descansado que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante, enquanto tu adormeces a não pensar em nada, milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos com computadores, redes de policia secreta, telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá! Podes estar descansado que o Teng Hsiao-Ping está a tratar de ti com o Jimmy Carter, o Brezhnev está a tratar de ti com o João Paulo II, tudo corre bem, a ver quem se vai abotoar com os 25 tostões de riqueza que tu vais produzir amanhã nas tuas oito horas. A ver quem vai ser capaz de convencer de que a culpa é tua e só tua se o teu salário perde valor todos os dias, ou de te convencer de que a culpa é só tua se o teu poder de compra é como o rio de S. Pedro de Moel que se some nas areias em plena praia, ali a 10 metros do mar em maré cheia e nunca consegue desaguar de maneira que se possa dizer: porra, finalmente o rio desaguou! Hão te convencer de que a culpa é tua e tu sem culpa nenhuma, tens tu a ver, tens tu a ver com isso, não é filho? Cada um que se vá safando como puder, é mesmo assim, não é? Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer, votas à esquerda moderada nas sindicais, votas no centro moderado nas deputais, e votas na direita moderada nas presidenciais! Que mais querem eles, que lhe ofereças a Europa no natal?! Era o que faltava! É assim mesmo, julgam que te levam de mercedes, ora toma, para safado, safado e meio, né filho? Nem para a frente nem para trás e eles que tratem do resto, os gatunos, que são pagos para isso, né? Claro! Que se lixem as alternativas, para trabalho já me chega. Entretém-te meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti, se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia, se hás-de plantar tomate para o Canada ou eucaliptos para o Japão, descansa que eles tratam disso, se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo! Descansa, não penses em mais nada, que até neste país de pelintras se acho normal haver mãos desempregadas e se acha inevitável haver terras por cultivar! Descontrai baby, come on descontrai, arrefinfa-lhe o Bruce Lee, arrefinfa-lhe a macrobiótica, o biorritmo, o euroscópio, dois ou três ofeneologistas, um gigante da ilha de Páscoa e uma Grace do Mónaco de vez em quando para dar as boas festas às criancinhas! Piramiza filho, piramiza, antes que os chatos fujam todos para o Egipto, que assim é que tu te fazes um homenzinho e até já pagas multa se não fores ao recenseamento. Pois pá, isto é um país de analfabetos, pá! Dá-lhe no Travolta, dá-lhe no disco-sound, dá-lhe no pop-xula, pop-xula pop-xula, iehh iehh, J. Pimenta forever! Quanto menos souberes a quantas andas melhor para ti, não te chega para o bife? Antes no talho do que na farmácia; não te chega para a farmácia? Antes na farmácia do que no tribunal; não te chega para o tribunal? Antes a multa do que a morte; não te chega para o cangalheiro? Antes para a cova do que para não sei quem que há-de vir, cabrões de vindouros, ah? Sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu ah? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá, e eu? José Mário Branco, 37 anos, isto é que é uma porra, anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo, e depois? É só porrada e mal viver é? O menino é mal criado, o menino é 'pequeno burguês', o menino pertence a uma classe sem futuro histórico... Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro, que se foda o progresso, mais vale só do que mal acompanhado, vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa, filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos! Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego, não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho, não há paciência, não há paciência, deixem-me em paz caralho, saiam daqui, deixem-me sozinho, só um minuto, vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e policias e generais para o raio que vos parta! Deixem-me sozinho, filhos da puta, deixem só um bocadinho, deixem-me só para sempre, tratem da vossa vida que eu trato da minha, pronto, já chega, sossego porra, silêncio porra, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me morrer descansado. Eu quero lá saber do Artur Agostinho e do Humberto Delgado, eu quero lá saber do Benfica e do bispo do Porto, eu quero se lixe o 13 de Maio e o 5 de Outubro e o Melo Antunes e a rainha de Inglaterra e o Santiago Carrilho e a Vera Lagoa, deixem-me só porra, rua, larguem-me, zórpila o fígado, arreda, 'terneio' Satanás, filhos da puta. Eu quero morrer sozinho ouviram? Eu quero morrer, eu quero que se foda o FMI, eu quero lá saber do FMI, eu quero que o FMI se foda, eu quero lá saber que o FMI me foda a mim, eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se eu tornar a ir para o hospital, pronto, bardamerda o FMI, o FMI é só um pretexto vosso seus cabrões, o FMI não existe, o FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma, o FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio, rua, desandem daqui para fora, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe...

Mãe, eu quero ficar sozinho... Mãe, não quero pensar mais... Mãe, eu quero morrer mãe.
Eu quero desnascer, ir-me embora, sem ter que me ir embora. Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viajem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...

Assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes, assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: Olá camaradas, somos trabalhadores, eles não conseguiram fazer-nos esquecer, aqui está a minha arma para vos servir. Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera se levantam antiquíssimos rumores, as festas e os suores, os bombos de lava-colhos, assim mesmo senti um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o bater inexorável dos corações produtores, os tambores. De quem é o carvalhal? É nosso! Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso. Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grandola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois.

Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe, no fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco. Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra, o meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez. Sou português, pequeno burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro, faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto.

José Mário Branco - FMI

Nota: FMI foi editado originalmente em 1982 no maxi Som 5051106, e reeditado em 1996 em 'Ser Solidário' ( EMI-Valentim de Carvalho). Aconselha-se vivamente a sua audição.

FMI - II parte precisa-se urgentemente.

Obrigado Clara, por esta fantástica descoberta.

domingo, 5 de agosto de 2007

Dogville - Lars Von Trier

Young Americans - David Bowie

They pulled in just behind the bridge
He lays her down, he frowns
"Gee my life's a funny thing, am I still too young?"
He kissed her then and there
She took his ring, took his babies
It took him minutes, took her nowhere
Heaven knows, she'd have taken anything, but
CHORUS (SHE)
All night
She wants the young American
Young American, young American, she wants the young American
All right
She wants the young American
Scanning life through the picture window
She finds the slinky vagabond
He coughs as he passes her Ford Mustang, but
Heaven forbid, she'll take anything
But the freak, and his type, all for nothing
He misses a step and cuts his hand, but
Showing nothing, he swoops like a song
She cries "Where have all Papa's heroes gone?"
CHORUS (SHE)
All the way from Washington
Her bread-winner begs off the bathroom floor
"We live for just these twenty years
Do we have to die for the fifty more?"
CHORUS (HE)
All night
He wants the young American
Young American, young American, he wants the young American
All right
He wants the young American
Do you remember, your President Nixon?
Do you remember, the bills you have to pay
Or even yesterday?
Have you have been an un-American?
Just you and your idol singing falsetto 'bout
Leather, leather everywhere, and
Not a myth left from the ghetto
Well, well, well, would you carry a razor
In case, just in case of depression?
Sit on your hands on a bus of survivors
Blushing at all the afro-Sheilas
Ain't that close to love?
Well, ain't that poster love?
Well, it ain't that Barbie doll
Her heart's been broken just like you have
CHORUS (YOU)
All night
You want the young American
Young American, young American, you want the young American
All right
You want the young American
You ain't a pimp and you ain't a hustler
A pimp's got a Cadi and a lady got a Chrysler
Black's got respect, and white's got his soul train
Mama's got cramps, and look at your hands ache
(I heard the news today, oh boy)
I got a suite and you got defeat
Ain't there a man you can say no more?
And, ain't there a woman I can sock on the jaw?
And, ain't there a child I can hold without judging?
Ain't there a pen that will write before they die?
Ain't you proud that you've still got faces?
Ain't there one damn song that can make me
break down and cry?
CHORUS (I) (repeat 3 times)
All night
I want the young American
Young American, young American, I want the young American
All right
I want the young American

Sempre que ouço "Young Americans" de Bowie, relembro a força explosiva das imagens surgidas no genérico final de um dos melhores filmes que vi nos últimos anos - Dogville. Uma América depressiva, decadente e vitima do seu próprio sistema de liderança. O lugar onde os pobres e fracos não têm lugar. Para mim, uma das melhores canções-letras Bowie, de sempre.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Paul Simon - O menino na Bolha...



Por: Tiago Pereira da Silva

Alguém que, só por uma ocasião, escrevesse uma música como “Bridge over troubled water”, já seria certamente recordado e, necessariamente, ouvido e respeitado em várias partes do mundo. Já li, não sei bem onde, que o coro-refrão de "The Boxer" tinha sido considerada a melodia mais inspirada da música pop anglo-saxónica de todos os tempos. Eu, continuo achar "At the Zoo" a mais que perfeita paródia musical que ouvi até hoje.
Paul Simon nem sempre foi recordado, nem sempre foi entendido, nem sempre poupado, muito poucos, acreditaram por exemplo, que se daria bem numa carreira a solo, tal foi o sucesso estrondoso da dupla Simon & Garfunkel nos anos 60.
É inegável falar de uma carreira de um imenso sucesso comercial. Mas não é isso que é, definitivamente importante, quando falamos de Paul Simon. Um músico que tal como se referiu ao seu grande amigo George Harrison, depois de desaparecido, de uma forma maravilhosamente bonita, dizendo aquilo que coincidentemente, ou não, lhe assenta como uma luva. “Ele não sentia propriamente necessidade em ser ouvido”. Paul Simon deveria ser respeitado e lembrado como são, por exemplo, nomes da “envergadura” de Paul McCartney, Eric Clapton, Mick Jagger, entre muitos outros. Só que Paul Simon, mais do que quase todos os seus companheiros de geração, divulgou a música do mundo ao seu próprio universo musical. E para que fique claro, Simon foi talvez o primeiro músico anglo-saxónico e, já na época de Simon & Garfunkel, a misturar ritmos do continente Sul-Americano. Se não vejamos, El Condor Pasa, do álbum “Bridge over troubled water” com letra de Paul Simon é uma música Inca-Peruana de celebração, entre outras virtudes, da paisagem abençoada do céu de Machu Picchu – Montanha Velha, seu significado inca. Nesse disco encontramos também uma pérola chamada Cecília que revela um Simon cada vez mais mergulhado no som, de uma América imensa.

O lançamento do álbum homónimo “Paul Simon” em 1972 é um grito de libertação e resposta ao que dele diziam, na época, incapaz de se aventurar a solo. Já sem os condicionamentos de trabalhar em grupo, Simon tem liberdade para fazer o que quer em estúdio. E podemos ouvir pela primeira vez, até antes de Clapton, o som forte jamaicano em temas como Mother and Child Reunion,. O álbum, inteiramente gravado no Sound Studios na Jamaica, abriu um leque de possibilidades para outros músicos seguirem as pisadas de Paul Simon. O som está repleto de influencias Sul-Americanas e Porto-riquenhas. Ou não fosse a faixa “Me and Júlio Down by The Schoolyard” testemunhar isso mesmo, como o seu impetuoso começo de Cuíca.

A importância de Simon na ponte cultural de ligação ao chamado terceiro mundo foi sem precedentes. Muitos, se lhe seguiram. Como Peter Gabriel. Mas Paul foi sem sombra de dúvida, o mais feliz, o mais iluminado, o mais criativo, e o mais inspirado criador de canções do seu tempo, dentro deste contexto específico. O seu mérito é ainda mais importante se considerarmos a maneira como foi feita. Paul nunca se limitou a consumir e a explorar a música anglo-saxónica, percebeu claramente a magnificência que florescia a cada década na música, primeiro na América do Sul, depois no continente Africano, voltando-se mais tarde para o Brasil. Paul Simon percebendo exactamente o timing de ser escutado, ou quando mundo o ouvia, quis partilhar a sua descoberta. Existirá maior mérito que este?

Saltando muitos anos na sua fabulosa carreira musical a solo, para um período, curiosamente, de deserto, crítica cerrada, de desencanto pela indústria musical. Todas estas condições estiveram reunidas em meados dos anos 80. Paul Simon passava por uma das maiores crises pessoais de sempre nos meses que antecederam a criação de “Graceland” a sua suprema obra-prima. “O disco anglo-saxónico pop mais bem feito de sempre” na opinião Philip Glass.
Mas voltando a essa época em que Simon, encontrava-se musicalmente bastante perdido, tinha por hábito ouvir no carro uma cassete, que lhe tinha sido emprestada por um amigo, de uma banda Sul-Africana chamada Gumboots. O impacto foi tão profundo e tão durador, que meses mais tarde Paul, viu-se a caminho de Johannesburg, para gravar um álbum sem qualquer música na “manga” ou pré-ensaiada . A produtora ficou “louca”, mas ninguém conseguiria demover já, um decidido Paul Simon.
Sua ideia era, sobretudo, procurar, conhecer e aprender um pouco da música da Africa do Sul e de todo aquele maravilhoso e riquíssimo continente.
Muitas eram as pressões para que Paul ali não estivesse presente. Em pleno período do Apartheid, a repressão social e racial em crescendo nas ruas, acrescido ao facto de Simon ter convidado maioritariamente músicos negros. Tentaram calá-lo. Há até quem considere, que em determinadas situações expôs-se em demasia ao “inimigo branco”. Mas nada disto o interessava mais, estava noutra!
Era a celebração negra, era um grito de desespero ao mundo. Em “Graceland” não se ouve nem se lê letras politizadas, ou pelo menos, directamente. Paul Simon optou por “usar” a alegria e celebração de um povo, optou por celebrar a vida e não a morte, e também por isso, foi criticado. O público deu a resposta. O disco foi um estrondoso sucesso. E a sua qualidade, jamais poderá ser confundida com o imenso apelo popular do mesmo. Até os temas mais pop-comerciais, como “You can call me Al”, estão extraordinariamente bem feitos, permaneceu semanas atrás de semanas, em nº1 da bilboard. Mas “Graceland” é, sobretudo, o disco do tema título, de “Boy in the Bubble” e do excepcional encontro entre Simon e os LadySmith Black Mambazo um grupo negro-vocal Sul-Africano. Desse encontro, resultou por exemplo "Diamonds on the soles of her shoes" que percebemos logo na entrada, tratar-se de uma abordagem diferente das canções até então feitas por Paul Simon. Encontro esse, que se revelou “mágico” nas palavras de Paul, seria a projecção internacional dos Ladysmith. Vale a pena assistir ao DVD: Paul Simon – Graceland Classic/albums e perceber, pelos protagonistas, o encantamento desse encontro que mudou até mais Paul Simon, do que os próprios Ladysmith, como surgirá naturalmente numa qualquer audição do fabuloso “Homeless”, cuja a entrada, inteiramente criada pelo seu líder Joshep Shabalala, é das melodias mais bem feitas e apelativas criadas pela voz humana, na minha modesta opinião.

To be continued

"Its a turn-around jump shot
Its everybody jump start
Its every generation throws a hero up the pop charts
Medicine is magical and magical is art
The boy in the bubble
And the baby with the baboon heart"

Paul Simon in Boy in the Bubble

quarta-feira, 1 de agosto de 2007