quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Olga, O Filme..



Olga, o filme


Por: Luís Carlos Lopes
La Insignia. Brasil, agosto de 2004.




O filme Olga, de Jayme Monjardim, é um passeio na história da primeira metade do século XX, tendo como pano de fundo o socialismo soviético, a política do Kominterm, o nazismo, a Segunda Guerra Mundial e a ditadura Vargas, no Brasil. O caso, bem conhecido pelos mais engajados, terminou com a deportação e morte em campo de concentração (1942) de Olga Benário Prestes, grávida de sua filha Anita Prestes (viva em todos os sentidos no Brasil de hoje), também filha do mais importante líder comunista da América Latina, Luiz Carlos Prestes, que ficou preso de 1936 a 1945, como um dos reféns da Segunda Grande Guerra.
Pela primeira vez, quase setenta anos após, o caso é compartilhado com o grande público do cinema. Na década de 1980, na crise da ditadura militar, livros e notícias na imprensa comentaram o fato, quase meio século depois de acontecido. Antes, todos sabiam o que havia ocorrido e engoliam em seco um dos crimes da ditadura Vargas. Aliás, este senhor ainda consegue, apesar de tudo, ser reverenciado até pela esquerda, depois de seus mil e um crimes do passado. O seu dramático suicídio em 1954, no contexto de uma tentativa de Golpe de Estado a ser perpetrado pela direita, e os fatos do período da ditadura militar (1964-1984) serviram para absolvê-lo de seus crimes e manter a sua máscara predileta de amigo dos trabalhadores e defensor da nacionalidade.

Espera-se que o filme ajude no desmonte do ídolo e na compreensão de que sempre vivemos em um estado de sítio, não importando muito quem ocupa o poder central. O problema é que a natureza deste poder é sempre constituída contra a maioria. Não é possível o estabelecimento de uma democracia, mesmo que formal, tal como as européias, enquanto sobreviverem tais níveis brasileiros e latino-americanos de opressão econômica, social e cultural. Os que dizem que se busca a igualdade de oportunidades para todos, estão de fato mentindo, escondendo que estão trabalhando para os inimigos de sempre.

Sob o ponto de vista cinematográfico, há várias falhas na arte de representar e no roteiro dado aos protagonistas do drama. Muitos implicarão com a baixa qualidade artística de várias passagens e do conjunto da obra. Outros insistirão, não sem razão, com a falta de rigor histórico-documental e com as omissões e torções muito significativas de fatos capitais. Todos terão razão, a priori, em suas críticas. Trata-se do primeiro longa-metragem de um diretor de telenovelas, acostumado à pressa e à inconsistência intelectual deste tipo de trabalho. Mas, Jayme Monjardim, antes guerrilheiro da diáspora revolucionária do final dos anos sessenta, não poderá ser acusado de não ter sido fiel às suas origens.

O diretor e responsável pelo filme não abrandou suas críticas ao Estado brasileiro e à figura do ditador. Foi fundo nas responsabilidades. Demonstrou o crime de se deportar uma sonhadora grávida e revolucionária (sem jamais ter matado ninguém), pelo crime de ser judia, comunista e sobretudo, por ter amado um brasileiro que se opôs à sua ditadura pessoal. Um presente para Hitler e o afogamento das misérias humanas de quem jamais se rendeu ao amor e jamais teve um caso similar em sua pobre existência, repleta de mesquinharias, frustrações pessoais e desgraça moral, que culminaram em seu patético suicídio em 1954.

Só isto tudo recomenda o filme, um libelo na defesa do sonho de liberdade e de justiça social que atravessa os limites do comunismo, da antiga União Soviética, do extinto Partido Comunista Brasileiro (por mais que exista quem reivindique a sigla) e da extinta idéia do revolucionário profissional encarnada por Olga. Em um cenário de tantas extinções, sobra o desejo humanista de uma sociedade mais justa e do fim de todos os tipos de opressão que conhecemos. Isto inclui a opressão da alienação e da incompreensão da realidade circundante. Também se refere à opressão da condição feminina, dividida entre o desejo de mudar o mundo e o gozo legítimo da felicidade.

Uma das cenas mais pungentes da película é quando Olga vê da janela do 'aparelho' que ocupa no subúrbio do Méier, em que seria aprisionada, (Zona da Central do Brasil, no Rio de Janeiro), a passagem de um bloco de carnaval. Simboliza o sonho de felicidade social e, ao mesmo tempo, as impossibilidades de mudar o mundo de cima para baixo. Isto ocorreria, sem perguntar, aos prováveis beneficiários da mudança, se eles a desejam de fato.

O Brasil, com suas imensas contradições, devem ter abalado as certezas de Olga, mas isto por obra dos nazistas daqui e de lá, jamais saberemos. O que sabemos é que Olga, ao contrário de seu companheiro ilustre, jamais transigiu ao poder. Morreu tributária de suas convicções e de seu casamento com os pobres e oprimidos. Dificilmente, Olga teria aceitado apoiar Vargas, apesar de tudo, porque assim os soviéticos desejaram. Mesmo sendo alemã e judia, Olga, de algum modo, foi profundamente brasileira. Estará viva em nossa memória para sempre.

1 comentário:

flávia disse...

Belo texto.
Não gostei do filme exatamente por tudo que foi aqui explicado, principalemnte pela caracteristica novelesca do filme. Mas é isso mesmo, alguém tinha que fazer algo sobre o tema. Pena não ter sido outro diretor.