segunda-feira, 13 de agosto de 2007

A Utopia segundo Che Guevara - Viriato Teles


Dignidade. Eis uma palavra-chave para definir a vida e obra de Ernesto Guevara de La Serna, o Che. Aventureiro, sonhador, irrealista – antes e depois da sua morte foram vários os epítetos com que a direita clássica e a esquerda oficial tentaram, no final dos anos 60 e princípios dos 70, domar as multidões de jovens que, fascinados pelo exemplo do comandante guerrilheiro, exigiam a «a imaginação do poder».
Passadas as euforias do Maio de 68 francês e do Abril 74 português, a Europa não chegou a servir de cenário a mais nenhuma revolução. Mansificada como o resto do mundo, transformou o Che em mais um símbolo, um poster para ter no quarto ao lado de Humhrey Bogart , jim Morrison, Kurt Cobain, James Dean ou Marilyn Monroe. Nada, afinal, que Lenine não tivesse previsto cinquenta nãos antes: «Depois de mortos os revolucionários mais puros, procuram converte-los em ícones inofensivos, por assim dizer canonizá-los, cercando o seu nome de uma auréola de glória para consolar as classes oprimidas e para as enganar, ao mesmo tempo que se esteriliza a substancia dos seus ensinamentos revolucionários embotando-lhe o gume e degradando-a»
Mas este é apenas o lado mais mercantil, imediatista e necessariamente redutor das epopeias da Sierra Maestra e de Vallegrande. Mesmo para quem não acredita em inevitabilidades históricas, é inegável que a figura e o exemplo de Che Guevara continuam a ser um estimulo para milhões de explorados em todo o mundo, uma réstia de esperança para quem já não tem mais nada a não ser desespero. Foi esta esperança desesperada que esteve na origem da ultima das grandes acções de guerrilha urbana da América Latina - o assalto à embaixada do Japão em Lima, no Peru, protagonizado em 1996 pelo movimento Tupac Amaru, que durou quatro meses e só terminou, tragicamente para os guerrilheiros, depois de um ataque surpresa planeado e ordenado pelo então presidente Alberto Fujimori. O mesmo que, quatro anos depois, falsificaria a constituição do Peru para ser reeleito pela terceira vez, mas que acabaria por abandonar o poder e o país, acusado de crimes de corrupção e homicídio.
Mas foi também essa esperança, sedimentada em mais trinta anos de lutas, onde o exemplo do Che foi frequentemente a motivação mais forte dos oprimidos, que levou Hugo Chávez e Luís Inácio Lula da Silva ao poder, na Venezuela e Brasil – mesmo se, neste último, a esperança tem vindo a ser paulatinamente substituída por um cada vez maior desencanto, fruto de sucessivas cedências aos senhores do mundo que o governo presidido pelo antigo operário tem vindo a protagonizar e que têm vindo a ser denunciadas pela generalidades daqueles que, em 2002, depositaram em Lula as suas esperanças de mudança.
Obviamente, a luta continua: a tenacidade do Movimento dos Sem-Terra, no Brasil, e as acções de guerrilheiras de novo tipo levadas a cabo desde os anos 90’ por movimentos como o Exército Zapatista de Libertação Nacional, no México, configuram hoje um claro cruzamento entre as teses gueveristas e a sociedade de informação. À globalização imperialista, os novos movimentos procuram contrapor uma lógica de solidariedade global, que implica não tanto a rejeição do sistema, mas sobretudo a exploração das suas fragilidades. (…)
Mas o século que ainda agora começou não se apresenta risonho. Os Estados Unidos da América já nem se preocupam em camuflar a sua ânsia de domínio do mundo, perante uma União Europeia dividida mas servil, uma Rússia saqueada e convertida ao brilho dos dólares, e uma China ex-inimiga que conseguiu tornar-se um parceiro respeitadíssimo da Organização Mundial de Comércio ao conciliar a ditadura do proletariado com a bolsa de valores, dando origem ao socialismo de mercado – que, em rigor, pode definir-se como o autêntico estádio superior do capitalismo: mão-de-obra barata, nível zero de reivindicações laborais, horários de trabalho alargado e nenhuns encargos extra.
Agora, que o mundo se normalizou e o salve-se quem puder dita a ordem e progresso da comunidade global, que futuro pode haver para um projecto alternativo de organização social? Nestes tempos de incerteza, revisitar os lugares e as pessoas do universo guevariano não deve ser praticado nem como exercício de saudosismo, nem como um exorcismo inconsequente. O socialismo por que lutou Guevara não era dos tanques de Praga, Budapeste ou Tiannanmen. A cidade sem muros e sem ameias que Zeca cantou e foi o propósito da luta do Che, mesmo dissimulada pelas incertezas quotidianas, permanece – ai de nós se assim não fosse! Como objectivo maior no horizonte da Humanidade.

Viriato Teles - jornalista
In: A Utopia segundo Che Guevara (Antes de Começar)

«Quem hoje pretender retomar os motivos que explicam e justifiam Ernesto Guevara e a sua representação encontra, neste belo livro de Viriato Teles, um excelente viático para jornada. O homem cuja a face grandiosa lembra a de um Cristo estigmatizado, ainda hoje faz tremer muita gente, ainda hoje faz estremecer o coração de milhões. Havia nele algo de divino porque era simplesmente um homem».

Baptista-Bastos

1 comentário:

Anónimo disse...

Que belo texto! Não conhecia este livro, e só hoje caí neste blog, mas vou estar atenta. Qual é a editora?