TEA FOR TWO A vida é cheia destas viagens. Viagens através do amor, através da amizade, através de coisas de que gostamos e de outras que odiamos. Viagens pelo nosso corpo, viagens pelo corpo de outras pessoas… Tudo são viagens e, por vezes… vontade de viajar.
No final da apresentação terá lugar uma conversa informal sobre o processo de trabalho moderada por Daniel Tércio.
DATA 22 de Julho
HORA 22 Horas
LOCAL Auditório d’A Moagem – Cidade do Engenho e das Artes
Por: Tiago Pereira da Silva
Ver o espectáculo de Dança Contemporânea da, podemos chamar, coreógrafa: Clara Amaral, sim porque quem nos apresenta uma 2ª obra desta natureza só pode (mesmo que, com máxima descrição) ser apresentada como tal; mas dizia eu que me “carregou” suavemente para uma série de coisas. Lembrei-me, por exemplo, da fantástica e tantas vezes esquecida música de George Harrison do álbum “Let it Be” dos The Beatles – “I Me Mine”.
Algo verdadeiramente original. Ou algo originalmente verdadeiro. E não sei exactamente qual assenta melhor em “Tea for Two”.
Não vou entrar num terreno em que me sinto totalmente desconfortável, jamais me atreveria a escrever sobre uma leitura técnica do espectáculo de Clara Amaral, contudo, poderei revelar ao leitor como fui agraciado com esta experiência. Sai incomodado do espectáculo e digo isto no melhor sentido do termo. E este desconforto e falta de acomodação, interrompe a lógica do se faz na maior parte dos casos, hoje em dia. Saímos todos da zona de conforto, naquela noite. E se só dissesse isto, já era dizer muito da mais recente obra de Clara Amaral.
(…) Em palco várias cadeiras e cinco bailarinas num universo profundamente feminino. E quando digo feminino, refiro-me a: toda uma lógica de dança e interpretação de maneirismos, desconfortos, tiques, de um contexto de natureza humana, mas sobretudo feminil. Pensei também no evidentemente complexo mundo das superstições, que para mim (apesar de não ter ouvido nada sobre isso) é um dos temas transversais a todo o tempo de “Tea for Two”. Mas é um tema quase omnipresente.
Há lugar para os homens? Sim, mas talvez como “meros” observadores, “meras” testemunhas. Em grande parte do tempo do espectáculo, senti verdadeiramente o privilégio da revelação do universo da mulher. Como uma coisa singular e não plural. Penso sempre na dicotomia Singular – Plural, de uma forma tão verdadeira como Mulher – Homem.
Lembrei-me, claro, do cancioneiro lindíssimo e genial de Chico Buarque de Hollanda. Que se coloca de tal forma na pele de uma mulher, que não poderíamos desconfiar nunca, tratar-se de um autor masculino. Talvez não exista ninguém tão capaz de descrever a mulher noutra língua. Se pensarmos por exemplo no Castelhano, teremos que caminhar até à realidade cinematográfica, para encontrar um outro exemplo. É claro que falo de Pedro Almodôvar, e, em obras como “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” ou “Tudo Sobre a Minha Mãe”.
Enquanto escrevo desorganizadamente as ideias sobre “Tea for Two”, dou por mim a verificar, que de repente já falei em nomes como: George Harrison (numa lógica egocêntrica, com muito pouco de “cêntrica”); de Chico Buarque e Pedro Almodôvar.
É evidente que importa não esquecer que será uma tarefa bastante menos ingrata para uma mulher, escrever sobre a própria alma feminina. Mas a ousadia neste caso vem associada ao mérito. Porque Clara Amaral arriscou muito e foi bem sucedida. Ainda para mais, quando sabemos que esta Coreografia foi escrita e pensada inicialmente, para intérpretes inglesas (excepção de uma bailarina) presente nas duas apresentações. .
Caetano Veloso disse certa vez a propósito do seu espectáculo “Fina Estampa ao vivo” qualquer coisa como: Isso de cantar numa outra língua, nasce da necessidade de chegar ao outro, até mesmo de ser o outro (…). Inevitavelmente lembrei-me de Clara Amaral, que nos transportou para essa mesma premissa. Mas a qualidade do seu trabalho, do meu ponto de vista, nasce sobretudo da imensa capacidade demonstrada de ter sabido interpretar uma realidade inglesa, encontrar pontes e elos de ligação, e acrescentar um novo vocabulário estético-visual, por força das bailarinas portuguesas. Sem essa sua capacidade de ser o outro, primeiro, para depois nos conduzir, e o resultado seria manifestamente outro.
Sobre as “polémicas” ratoeiras em palco, também isso foi uma tremenda manifestação de coragem e inteligência, a de aceitar a melhor ideia num universo ao nosso redor, independentemente de quem ela venha. E neste caso, tudo mais a ver. Essa simbologia do Amor, enquanto Inesperado, e não propriamente como fatalidade de sofrimento ou aprisionamento.
Continuando a celebrar esta valiosa descoberta, sim porque importa partilhar todas as grandes descobertas e Clara Amaral é sem dúvida, uma.
Pensei em Clara Amaral e sua experiência em Inglaterra e lembrei-me uma vez mais de Caetano exilado em Londres. No teu caso, foi um “auto-exilio”. E lembrei-me porquê? Como escrevi um dia: Caetano refere-se ao período em Londres como fulcral para ter continuado a fazer música pois o seu “violão” no Brasil não era considerado de nível profissional. Foi em Londres que se sentiu pela primeira vez confortável para tocar em estúdio. Lá os técnicos (curiosamente) acharam a sua técnica de tocar guitarra de uma originalidade única. Contratar alguém para o fazer no seu lugar, tiraria toda a originalidade e profundidade das canções.
Pois bem amiga, e agora escrevo enquanto tal, esta experiência Inglesa trouxe-te distraidamente outra segurança, outro conforto, de alguém que de repente amadureceu e tornou-se uma das mais belas originais surpresas da sua geração. Como tu dirias no teu “dialecto” favorito. Bem haja, amiga!
sexta-feira, 25 de julho de 2008
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