terça-feira, 11 de setembro de 2007

Crónica: Os arrumadores de Carro


As possívies lições da Oprah Winfrey

Prólogo inicial: “Epá lá vem este chato pedir a moedinha”.

Por: Tiago Pereira da Silva
Parecem uma praga de gafanhotos, sem querer entrar em contemplações bíblicas. Ou, parecem antes, um daqueles intermináveis jogos de computador, cuja a solução ou resolução, constantemente adiamos, de tão trabalhosa e complexa que é.
Certa vez, ouvi de um arrumador de carro, encontrava-me eu já estacionado no parque do monumental (um dos seus nichos ecológicos predilectos), o seguinte comentário, para uma senhora, que ao meu lado havia estacionado: “Por favor dê-me uma moedinha, eu sou seropositivo, tenho hepatite B, uma arritmia cardíaca, tuberculose”.
Ao que a senhora responde, com um daqueles sorrisos, dignos do mais negro dos humores: “Eláaa você tem tudo, lol”.
Provavelmente a fulana é da mesma qualidade de ser humano, daqueles que na hora de escolher, não têm muitas dúvidas entre:

a) Deixar os toxicodependentes nas ruas, injectando-se de forma absolutamente degradante, partilhando seringas, alimentando a cadeia das doenças infecto-contagiosas;
Ou;
b) Retirá-los da rua, coloca-los em locais próprios com programas de metadona, acompanhamento e assistência médica, muitas vezes não mais que, ajudar estes doentes morrer com alguma dignidade.

Optaria, claramente pela aliena (a). Porque não? Também acho! O dinheiro dos contribuintes, aliás o nosso dinheiro, a ser utilizado para um desperdício como – ajudar outro ser humano. Que estupidez. Aliás se pensarmos bem, eles já nem entram nesta condição. São um estorvo social. Um embaraço ao nosso quotidiano. Quer uma pessoa ir ao cinema e ter que cruzar com estes “gajos” na rua. Chamam a isto séc. XXI ? Haja democracia. Somos todos filhos de Deus. Mas alguns filhos, caíram na vida e já envergonham o senhor, nosso pai. Vão trabalhar vagabundos. Não querem fazer nada...

Bom, gostaria de interpelar esta senhora, que é baseada em mil estórias (sem h) reais: - “porquê pactuar com um sistema onde, a senhora não só, enjoa, como condena?”…«ou será que, de cada vez que dá uma moeda a senhora se sente um pouco mais humana?» «Já sei.. tem medo das represálias, tipo, carro riscado e tal?» «Também não?» «áaa, a senhora se calhar espera, acelerar um pouquinho a morte do sujeito arrumador!». Sabe, o seu ar de alivio, ao entregar essa moeda, faz me lembrar uma história que vivi no Brasil, à três anos atrás. Aquando da visita, a uma das favelas ao lado da Rocinha, durante o “favela tour”, o guia explicou-nos que bem do lado da favela, existe a casa de um dos homens mais ricos do Brasil, o representante Brasileiro da Fiat e Ferrari, neto ou filho dos patrões italianos. A casa nem dá para explicar bem… Um gigantesco e luxuoso condomínio privado, paredes-meias com a favela. A representação efectiva de contraste social. Foi então que comovido, ou bem pago, o guia contou que aquele senhor, não tinha instalado qualquer sistema de segurança. Na época foi noticia e tudo (porque será?) …

Segundo dizem, o italiano disse: “Eu não quero proteger-me desta gente, eu quero ajuda-las”. Foi então que, bem ao jeito de Oprah Winfrey, adiantou não sei quantos milhares de reais para a construção da escola social na favela. Não nego o valor do gesto. Nem sequer será muito discutível a importância e eficácia que teve, para a inserção social daquelas crianças. Mas também importa exigir do cidadão comum, ou pelo menos inteira-lo, de uma subsequente análise. Infelizmente, o pensamento do tal senhor rico, poderá muito bem ter sido: “ajudar a comunidade, porque essa será a melhor forma de estar seguro. Se adiantar uns quantos milhares agora, ainda para mais numa escola, as pessoas vão achar-me nobre, pelo gesto. Para mim são umas migalhas e fico seguro para o resto da minha vida”.

O que está aqui em causa, do meu ponto de vista é o real valor do gesto e da ajuda humanitária. Não um conjunto de intenções, que promovem sempre o individualismo. O que está aqui em questão é o porquê de dar a moeda. Servirá só para sumir com o arrumador da nossa frente, esperando que vá pregar para outro lado. Somos todos cúmplices e alimentadores deste sistema. Cheiramos mal por isso. Já não existe a expressão da solidariedade. Palavra que parece ter um lugar, cada vez mais distante das nossas vidas. Sobre tudo quando precisamos de recorrer aos actos. Não é de Oprahs que a humanidade precisa. Um pouco como dizia Mia Couto, as nações não precisam de ricos tão pobres assim. Rico é o que gera dinheiro e dá emprego.

1 comentário:

Anónimo disse...

tu sabes que eu dou a dita moedinha...e de todas as opções enunciadas, acho mesmo que a dou para fazer aos outros o que gostaria que me fizessessem a mim: me ajudassem, nem que fosse só com uma moedinha, a aliviar a dor (da ressaca...eu sei...).

Mas tenho de dar-te razão!
Metemos nojo! Seja porque razão for, continuamos a preferir uma moedinha-prozac, à exigência (justa!) aos que por nós foram eleitos de, efectivamente, tomarem medidas para apoiar estas pessoas que estão doentes...
Doentes de qualquer coisa...ás vezes, apenas de falta de serem cidadãos de pleno direito!

Metade do caminho já podia estar feito, houvesse um ministério da educação preocpadao em formar cidadãos pensantes, em verdadeira igualdade de oportunidades, e não carneiros amorfos, obedientes e ignorantes!!!!