domingo, 7 de outubro de 2007

"Fados" - Carlos Saura


Por: Tiago Pereira da Silva


Imaginem um filme, que pretende homenagear a bossa-nova no Brasil. Agora concebam o seguinte. Que um cineasta argentino pega na ideia e procura ao longo do mesmo, desenvolver o nascimento dos movimentos de música popular no Brasil, sem subir os morros da cidade do Rio de Janeiro, para compreender a origem do samba-canção. Não percorrer, os bairros boémios como o da Lapa ou Santa Teresa, onde começaram os primeiros movimentos da Bossa-Nova. Fazer aqui e ali, umas alusões necessárias à importantíssima influencia de Heitor Villa-Lobos, em personalidades como, Ary Barroso, Noel Rosa, Pixinguinha, entre outros, que influenciaram irreversivelmente, a geração de Tom, Vinicius e João Gilberto.

Carlos Saura, realizador de “Fados”, conseguiu, um resultado cinematográfico polémico sobre a nossa, maior expressão cultural.
Ao optar, por esta primeira interpelação ao leitor, não quero com isto dizer que, Carlos Saura não terá deambulado pelas ruas de Alfama e Bairro Alto, respirando necessariamente uma das matrizes endémicas do fado. Simplesmente digo, e para quem já viu “Fados”, que Carlos Saura ousou muito, ao realizar um filme sobre a maior manifestação cultural do país vizinho, sem sequer filmar as ruas de Lisboa (O filme é quase totalmente filmado em Madrid), excepção feita na aparição musical de Carlos do Carmo, em que aparece-nos, como cenário fotodigital, algumas ruas, dessa imensa Lisboa. Esta opção arriscadíssima, já produziu, no seio de alguma critica portuguesa, imensos velhos do Restelo. Da mesma espécie de puritanismo, a que assistimos nos anos 80, quando era frequente ouvir Caetano Veloso cantar “Que estranha forma de vida”, homenageando a influencia que Amália e Portugal tiveram na sua poesia e pessoa, sendo “naturalmente” vaiado por uns e aplaudido por outros.

De facto, Carlos Saura tem uma outra intenção, que pode até não ser devidamente enobrecida por esta nação, vezes a mais, provinciana…Mas o seu eco, já se reflecte um pouco pelo mundo. E não estou a falar dos imensos prémios ou ovações de pé, que arrecadou, em festivais por essa Europa fora.
A proposta cinematográfica de Saura é a de homenagear o Fado, procurando, a criação de pontes culturais da sua possível origem e influencias, casos de África e Brasil. E que bem servidos estamos, devo acrescentar.

Ter como realizador de “Fados” o espanhol Carlos Saura, só poderia resultar na ampliação, da importância multicultural de outros movimentos musicais na nossa música. Aliás, o mais interessante do filme, se me permitem é, justamente, reforçar essa origem histórica, conferindo-lhe uma sonoridade e modernidade, dos nossos dias. É por isso possível ver, em “Fados”, a cantora mexicana Lila Downs, fazer uma das mais belas metamorfoses do fado, que alguma vez vi, conseguidas. Mariza brilha, no canto de fado pró-moçambicano, na reinvenção de “Transparente”, com um quase irreconhecível ou, se quiserem, anónimo, Rui Veloso. Sua guitarra parecia há anos, silenciada. E sobre isso, não é preciso acrescentar, mais nada.

Confesso, que me é difícil falar deste Caetano Veloso, do filme. É um misto de evidência do seu envelhecimento, com o reconhecimento de ser (e é seguramente, não me canso de dizer) um dos grandes intérpretes vivos do mundo. O seu “violão” tornou-se ao longo dos anos mais terno. E sua voz, hoje, sem o alcance de outrora, surpreende-nos, numa “re-re-invenção”, do seu “Que estranha forma de Vida” em jeito de falsete. Um dos grandes momentos do filme.
Ver novamente Chico Buarque, associado a imagens da revolução não é inteiramente novo. É até, para algum público português, um pouco previsível na sequência lógica, das imagens a preto e branco (as cores que ele tanto gosta) da revolução dos cravos, com um “Grândola Vila Morena” a preceder uma nova versão de “Fado Tropical”, com Júlio Pereira no Bandolim. Sem a força interpretativa de Caetano, Chico arrepia nas suas incursões lusófonas do ser português, mesmo quando o texto associado às imagens, parecem inexplicavelmente erradas: - “Quando as minhas mãos estão ocupadas em matar, trucidar, esganar(…). É um Chico velho e magro, que nos aparece nas imagens, mas o azul sedento de seus olhos, nunca defraudou a curiosidade atenta, de ser, um dos poetas maiores da nossa língua.

O “Rap do Marceneiro” deverá surpreender, até, os mais cépticos. Uma lindíssima homenagem a Alfredo Marceneiro. Mas a Brigada Victor Jara, no seu “Fado Bailado” é um dos momentos mais altos do filme; bem como a ponte de junção do Flamenco e Fado.
Carlos Saura, realizador de “Flamenco (1995)” e “Tango (1997)”, inventou um novo estilo cinematográfico. A ligação do género - musical, com o documental, criando ainda sensação no público, e, reconhecimento, na inclusão na Dança, através de um sem número, de coreografias.

Embora, a “nossa” música saia, imensamente prestigiada do resultado final de “Fados”, devo acrescentar também, que a sua obsessão coreográfica no filme, quanto a mim, peca por isso mesmo, por excessiva e muitas vezes descontextualizada. Dando a sensação, de que o possível resultado coreográfico, poderia ser bem melhor.
Frustra um pouco, ver quase “esquecidos”, alguns dos poetas maiores do nosso fado, com escassas referências documentais.
O tema “Amália” seria sempre tratado, de forma redutora, mas também Carlos Saura, deverá saber disso. Sendo uma cantora singular do séc. XX.
Eu, como mero espectador, apenas lamento não ter visto uma referência ao mestre da guitarra portuguesa, instrumento nobre do fado, Carlos Paredes. Terá sido intencional? Fica por esclarecer. Ou até, uma mais do que merecida referência aos Fados de Coimbra. E porque não também, no canto ímpar, de Zeca Afonso homenagear os dois.

De qualquer forma, o resultado é profundamente feliz. Por cá, continuamos a assistir cineastas, a desgastarem-se com “corrupções”… De facto, o maior reflexo, de que nem para nós, somos bons. Importando os formatos americanos Hollywoodescos, para desenvolver produtos descartáveis, que caem no esquecimento. Depois queixam-se do provincianismo. Será que estamos dispostos a exigir um outro tipo de produto? Porque se cozinharmos e alimentarmos este sistema, a “merda”, perdoem-me a expressão, será para sempre, uma coisa natural.



PS – Este é um filme que poderá muito bem aproximar, as gerações mais nova do Fado. Senão tivesse mais mérito nenhum, pelo menos este, já ficaríamos a dever a um Sr. Espanhol chamado, Carlos Saura.

2 comentários:

flávia disse...

Conheço pouco o fado mas muito bem Carlos Saura. Acompanho sua carreira quase por completa e gosto muito.
Será que desponta cá pelo Brasil este filme?
bjo

Sunshine disse...

Esta noite fui ao cinema ver Fados e sai profundamente desiludida. O facto do documentário ser todo filmado num estúdio, em vez de ter sido nas ruas de Lisboa, nos nossos bairros foi imperdoável a meu ver. As imagens de Lisboa de que fala nem foram captadas por Saura, mas sim por um cineasta português...Outro facto foi a ausência de Carlos Paredes. O fado é guitarra portuguesa. E guitarra portuguesa é Carlos Paredes.
Senti-me como que a apontar notas num bloco durante o filme, a registar tudo o que não gostei (e infelizmente foram muitas as páginas do bloco)...

Mas esta é só a minha opinião, a pessoa que foi comigo gostou muito!

Um abraço