quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Continuando ... nas "Sonoridades do Mundo"



Jorge Ben: África Brasil (1976)



Por: Tiago Pereira da Silva

Nascido no Rio de Janeiro no ano de 1942, este carioca de gema - Jorge Benjor (nome definitivo adoptado em 1988) é um daqueles artistas que são uma unânimidade para os colegas de profissão. Sem ele o Brasil ficaria certamente mais pobre. Talvez por estarem como ninguém a par desta evidencia, é que já vimos tantas vezes Gil e Caetano protestarem com o pouco destaque e interesse que suscita na imprensa. Os dois baianos tropicalistas chegaram mesmo a gritar: que Jorge é o expoente máximo da música do Brasil na geração pós Bossa-Nova. Em parte teremos que concordar. Exacto, devem se estar a lembrar que uma das músicas mais tocadas no mundo inteiro é de sua autoria Mas que nada!


E se nos lembrarmos do período a seguir, dos anos 70, depois de gravar A tábua de Esmeralda em 1974, Jorge Ben (na época) estava pronto para fazer tudo. Misturar pop com samba, rock com funcky já para não falar do estilo musical que poderá ter muito bem sido denominado de MPB, muito por culpa deste senhor. Eis que em 1976 Jorge Ben lança África Brasil. Não creio enganar-me ao dizer que muita coisa mudou no panorama musical brasileiro após o seu lançamento. Na época não fez muito, ou quase nenhum, sucesso comercial, mas este disco maravilhoso pode muito bem ser uma obra tão importante quanto Construção de Chico Buarque, Transa de Caetano Veloso ou Refavela de Gilberto Gil, apesar de não ser tão reconhecido. Certamente serviu de inspiração para Gil fazer o magistral Refavela no ano seguinte.
Se A tábua de Esmeralda já tinha sido de certa forma, um percursor dos movimentos funkys, hoje extremamente populares no Brasil, sobretudo nos morros do Rio; este disco de Jorge Ben com fortes bases de baixo e percussão, roncar de cuícas insistentes em marcar as pausas dos tempos, um teclistas e órgão de outro planeta, um coro feminino a fazer lembrar as 3 background vocals de Bob Marley e Jorge Benjor a cantar excepcionalmente bem. É um dos meus álbuns de eleição de qualquer género musical. Procure ouvir e renda-se com as pequenas maravilhas tipo: O filósofo; Xica da Silva; O plebeu; África Brasil (Zumbi).

Rubrica: A escolha do Dia


Diários de Motocicleta. Música de Gustavo Santaolalla.
Editora: Universal Records. Duração: 47' 30''.
Ano: 2004.
Realização: Walter Salles.

Hoje trago a magnifica banda sonora do filme "Diários de Motocicleta" de Walter Salles.
Curiosamente não tendo sido premiada como o mais recente Babel e Brokeback Mountain, em que Gustavo Santaolalla, não só foi nomeado como ganhou o Óscar. Creio que a par de Amores Perros é o melhor trabalho de Gustavo para filmografias. Os sons sugeridos pelas imagens desse fantástico "continente" chamado América do Sul fazem imersão de todos os sentidos.

Por: Tiago Pereira da Silva

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Rubrica: A escolha do dia


Por: Tiago Pereira da Silva

Inauguro aqui neste espaço a Rubrica, acima descrita, em que vou procurar ser fiel ao auto-compromisso de deixar todos os dias uma Sugestão Musical. E acreditem não vais ser fácil. Uma musica que por uma razão ou por outra, acordou na minha cabeça. Talvez com vontade de revelar partes que até então permaneciam ocultas.


E que maneira melhor de começar de que com o mano Caetano! A musica Haiti é um dos exemplos do brilhantismo poético deste poeta-compositor brasileiro. Aqui as palavras são mesmo, segundo o próprio, mais faladas do que cantadas. Uma das letras mais politizadas dos anos 90 de Caetano Veloso, uma das maiores incursões do artista pelo mundo do rap contemporâneo. O nosso Pedro Abrunhosa chegou a dizer que é uma das suas letras preferidas de Caetano. É um espelho social. Foi o primeiro artista no Brasil a manifestar-se contra a barbarie ocorrida na prisão de Carandiru.

111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos(...)

Com letra de Caetano e musica de Gilberto Gil e Caetano Veloso, sugiro a versão do concerto Fina Estampa ao vivo. Que poderão encontrar no Youtube que encontrarão escrevendo simplesmente: Caetano Veloso - Haiti



Haiti
Caetano Veloso
Composição: Caetano Veloso e Gilberto Gil


Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretosSó pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for a festa do pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui


PS - Que torrente de imagens impressionantes que são sugeridas ao longo da canção. Eu atrever-me-ia mesmo a dizer que é uma das letras mais visuais de Cae.

domingo, 25 de fevereiro de 2007

O Profeta da Utopia Portuguesa - 20 anos "sem" Zeca

Zeca Afonso

Cancionista maior da nossa língua, Zeca não podia esperar a mudança, nem tão somente fazer parte dela, ele foi a mudança...

Excerto de uma das suas biografias: José Afonso influenciou para sempre a música e a cultura portuguesas. Compositor multifacetado, percorreu no seu repertório diversas áreas musicais, das baladas de Coimbra à música tradicional, tendo também feito música para teatro. É, sem dúvida, uma referência incontornável da música portuguesa na segunda metade do século XX. Hoje, a sua obra musical continua a dar frutos e a influenciar as novas gerações.
José Afonso foi também um importante poeta. A austríaca Elfriede Engelmayer sustentou que é um dos maiores poetas portugueses e o facto de não aparecer nas antologias de poesia portuguesa do século XX deve-se a uma indiferença intencional: «Tem a ver com a sua imagem. Porque um cantor não tem a ver com literatura e porque foi uma pessoa com opções marcadamente políticas», afirma a docente de Coimbra.
«Zeca» é admirado também pela sua personalidade e forma de estar na vida: «Admito que a revolução seja uma utopia, mas no meu dia-a-dia procuro comportar-me como se ela fosse tangível. Continuo a pensar que devemos lutar onde exista opressão, seja a que nível for».
Foi um homem solidário, movido por causas e ideais que lhe pareciam justos. Um ser humano que vivia movido por uma utopia e que nunca parou muito tempo no mesmo lugar. Um dia disse de si próprio: «Alguma coisa do que sou e fui foi em viagem».


Utopia

Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo mas irmão
Capital da alegria

Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
E teu a ti o deves
lança o teu
desafio

Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa
Será que existe
lá para os lados do oriente
Este rio este rumo esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?




sábado, 24 de fevereiro de 2007

Rubrica: Génios da 7ª Arte - Dilema na escolha!









Qual o melhor?

No outro dia, numa agradável conversa com um amigo sobre qual o mais extraordinário actor a aparecer - pós Brando, perceba-se do cinema norte-americano. Fiquei um pouco atrapalhado com a questão. Confesso que não sou muito de atribuir rankings, pelo menos nestes assuntos, pois existe um grau tal de subjectividade que a escolha nunca seria justa e unânime. O máximo que consegui fazer foi avançar com 4 nomes que para mim são incontornáveis, então e sem ordem de importância, passo a citar: Jack Nicholson, Al Pacino, Robert de Niro e Dustin Hoffman. Estes são como 4 magnificos, de estilos e escolas diferentes, com papeis memoráveis, protagonizaram alguns dos momentos mais emblemáticos da história do último terço do cinema norte-americano do século passado. É-me completamente impossível destacar um...dos outros, as suas presenças na minha memória cinematográfica são constantes. Já vi escrito que relativamente aos dois primeiros os seus génios não eram comparáveis. Mas sigam este raciocínio: lembrem-se dos papeis mais marcantes das suas carreiras,e, só para citar alguns: Jack Nicholson em " One Flew Over the Cuckoo's Nest (1975)" ou "Shining (1980)" ou até mesmo o fantástico e tantas vezes esquecido remake do "The postman always rings twice (1981)"; Al Pacino em "The Godfather (1972)" em que se diz que ter-se-á sentido pela primeira vez actor e Michael Corleone na cena do restaurante em que tem que despachar duas "almas", "Scarface (1983)" e o mais recente "Scent of a Woman (1992)"; De Niro em "Taxi Driver (1976)", "Raging Bull (1980)" e "Cape Fear (1991)"; Dustin Hoffman "Kramer vs Kramer (1979)" , "Tootsie (1982)" "Rain Man (1988)" - agora imaginem um dustin hoffman qual um papel tipo Shining ou um Jack Nicholson com um papel tipo Raging Bull. É interessante verificar a dificuldade que encontramos, pois os papeis exigidos para cada personagem iam ao encontro das suas características como actores, mas mais, aproximavam-se com muito daquilo que eles encontraram dentro de si, nas personagens.

Ainda bem que existem os quatro.

A escolha da semana: Beethoven: "Kreutzer" Sonata - Itzhak Perlman/Vladimir Ashkenazy*



Deixo aqui a sugestão para quem não conhece esta pérola da música clássica, com dois dos melhores executantes do mundo: Itzahk Perlman (Violino) e Vladimir Ashkenazy (Piano). Cada um deles é mais extraordinário que o outro.

Particularmente - A sonata para violino Nº 9, in A major, op. 47 correspondente à 2ª faixa do disco. É inacreditável nesta interpretação. Será que alguém já se lembrou de coreografar esta sonata? Provavelmente já.

* Gravado em Kingsway, Londres de Outubro de 1973 a Junho de 1974.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Grandes Nomes da MPB: Elis was a Genious!


"She could change in a song, suddenly she was water, wine, cachaça. She had complete command of her body and soul."

António Carlos Jobim

Babel - Eu quero que os críticos se F....!

Por: Tiago Pereira da Silva
A propósito dos óscares e ao ler o suplemento de hoje do jornal Público que dá um grande destaque ao filme - Babel, devo confessar que fiquei não só espantado, como perplexo com algumas das criticas que não conhecia de "especialistas" de renome sobre este filme (excepcional) de Inãrritu. Já sei o que alguns devem estar a pensar! Olha, lá está este gajo a defender um filme, que para alguns não tem "defesa" possível. Bem sei que o filme dividiu a critica, mas pelo nosso senhor do... é melhor passar a citar:

Mark Peranson (Director da Revista Cinema Scope): "Babel é um crime contra a humanidade e, possivelmente, o pior filme alguma vez feito" foi até ao ponto de dizer que:
- "Agora que o tribunal internacional de Haia já despachou Milosevic, proponho Iñarritu".
Bom, eu tenho para mim que: propor a esse tal de Peranson umas férias (vamos lá, tipo seis mesinhos) com tudo pago em Guantanamo não seria de todo exagerado. E estou a ser querido.

Podemos observar que a crítica foi de extremos, há quem tenha atribuido cinco estrelas, como uma, ou até, uma bolinha preta - sinal de péssimo em muitos jornais e revistas.
Também se percebe o facto de o filme ter provocado uma reacção de reconhecimento muito forte, junto do público tal como referenciou o crítico João Lopes (que deu a Babel o que se dá ás obras-primas, cinco estrelas - in Público), no sentido de as pessoas se reconhecerem no filme e reconhecerem o mundo em que vivem.

Acredite-se ou não, existem na blogoesfera imensos links e blogs que arrasam até não poder mais o filme deste mexicano que espantou o mundo quando apareceu com Amores Perros .

Daniel Oliveira diz: "Os nossos críticos detestaram Babel, e eu sinto uma profunda dessintonia com a critica. Não percebi porque é que a crítica não gostou, mas devo dizer que fico demasiadas vezes sem perceber porque é que a crítica não gosta" E termina dizendo: "Um palpite, a maior parte dos críticos tem sensibilidade artística mas nenhuma sensibilidade política; não há ninguém pior a falar de cinema do que um crítico de cinema"

Concordo e subescrevo. O cinema ou é popular ou não serve para "consumo". Acho que seria interessante inspirar-me no, infelizmente, já falecido João César Monteiro, transformar um bocadinho a frase e dizer com todas as letras: "Eu quero que os críticos se fodam!"

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Rubrica: Génios da Música - João Gilberto


Isso aí é ... sem palavras!

PS - Sugestões

As versões João Gilbertianas dos temas:

O Pato (Jayme Silva - Neusa Teixeira);
Eu Sambo Mesmo (Janet de Almeida);
Sampa (Caetano Veloso);
You do something to me (Cole Porter);
Estate (Bruno Martino - Bruno Brighetti)

IGUAÇU - GRANDE ÁGUA


As Cataratas do Iguaçu, consideradas uma das maravilhas do mundo natural, encontram-se na enorme falha geológica nas fronteiras do Brasil e Argentina. Descobertas em 1542 pelo espanhol Alvar Nuñez que partiu em missão da ilha de Santa Catarina no Brasil e que deparou-se com um gigantesco espetáculo natural, até então só ao alcance dos olhos dos índios Guaranis.


“Poucas coisas no nosso mundo acontecem como estavam previstas” Esta frase do narrador do filme “A missão” parece ter uma dimensão alusiva ao tema do mesmo, pelo menos e no imediato, fica a noção de que a chegada dos portugueses e espanhóis ao novo mundo alterou para sempre a vida das civilizações indígenas que até então dominavam aquele continente (…).
Não é de todo, fácil explicar, pelo menos para mim, a sensação de se estar num lugar daqueles que estou em crer único no mundo. Ainda para mais quando o que vamos escrever é apenas e só, a recordação de um sentimento presente, mas por preencher. Como explicar? - Talvez se imaginarem um recipiente vazio possam ter uma ideia do que aqui, de forma tão pouco cuidada tento transmitir. Os contornos do recipiente foram marcados pela presença no local e pela sensação única de nascer algo novo em nós, (já dizia Damásio que a emoção nos conduz ao sentimento e não o contrário). Assim, olho para esse sentimento como o recipiente que perdeu toda a carga emotiva, que carece urgentemente de ser revisitada de quando em vez, para encher um pouquinho só. Mas a verdade é que só no exacto momento do deslumbramento físico, metafísico e emocional é que encontrei o tal recipiente do sentimento, tão bem guardado dentro mim, cheio. Sobre isso, o tal lugar único para mim, falar-vos-ei mais tarde.


Mas vamos ao filme de Roland Joffé, rodado no lado argentino na famosa ilha de San Martin, que conta com excelentes interpretações de grandes nomes como: Robert de Niro, Jeremy Irons (para mim o grande protagonista) e Liam Neeson. O filme tem o mérito de ajudar a compreender a história deste lugar fascinante, nos séculos XVII e VIII. Mas é talvez aqui que começa também o problema do mesmo. Com a pretensão de o converter numa história de Bons e Maus, o realizador com ajuda do seu argumentista peca, quanto a mim, por interpretar em vez de revelar, de formar vários juízos de valor em vez de situar no contexto extremamente complexo da época. A Missão retrata o período em que a ordem dos jesuítas caiu em desgraça em Espanha e Portugal, depois do vasto período de envagilização dos índios, em que eram contruídas missões, ou seja, entrepostos religiosos para onde eram levados os índios Guarani com o objectivo de converte-los em "seres humanos" enculturando-os com uma nova língua e religião. Com a intolerável e sanguinária determinação de fronteiras entre a Coroa Portuguesa e Espanhola, decidiu-se acabar com o projecto dos jesuítas onde os Índios estavam a "salvo", na medida em que a coroa espanhola cedeu à portuguesa aquele território. Luta e resistência foi a resposta dada pelos padres jesuítas e índios que se recusaram a abandonar as suas missões e enfrentaram a armada portuguesa - aliás convertidos neste filme nos maus da fita. O filme tem um final melo-dramatico em que se vê a determinação rudimentar dos Guarani frente á translocada força da pólvora dos portugueses. O filme é celebrizado pela espantosa banda sonora de Ennio Morricone, já diversas vezes considerada, uma das mais belas de sempre (Palavras para quê?). Embora possa ser considerado bem estruturado do principio ao fim, tenho para mim que é o cenário que faz com que este filme seja imperdível.

Iguaçu - Significa: Grande Água em linguagem Guarani

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Diane Lane ! Imagens que parecem surgidas das palavras de Henry Miller


Unfaithful: Por Tiago Pereira da Silva

Discretamente pretendo deixar o meu comentário, não ao filme Unfaithful (Infiel), mas sim, aos escassos 4 ou 5 minutos de umas das mais arrebatadoras cenas que vi, de uma interpretação feminina no cinema norte-americano nos últimos tempos. Para quem como eu já viu o filme estará, naturalmente, a pensar na breve, mas (permitam-me) extraordinária sequência do comboio, protagonizada pela actriz Diane Lane. Uma espécie de Jessica Lange da sua geração. Aliás sustento aqui a tese de que o filme não está minimamente à sua altura. A cena é animada de um erotismo Kubrikiano, não tanto pela força das suas inevitáveis reflexões, mas pela carga visual e emocional que acarreta. Como imagens em movimento que surgem de textos de Henry Miller.
O som que invade o espectador é um misto da música que parece extraída das emoções da personagem central (Diane Lane - “vitima” do jogo de sedução do francês Oliver Martinez), como também dos sons naturais dos carris do comboio, que assim sustentam a iminência do flashback, ou, da recordação por parte da personagem, do adultério consumado.
Diane Lane é simplesmente brilhante no recurso aos, sempre complicados, maneirismos, não pecando nem pelo, tantas vezes previsivel, exagero. Com toda a carga emocional presa no seu olhar, Diane transmite-nos a ideia simples (mas terrivelmente difícil) de que o seu corpo, nunca antes havia sido descoberto. A sua personagem comunica-nos, por gestos, tremores, desconforto e risos, que o seu mundo ainda tem outro no seu interior. O recurso aos grandes planos e zooms da sua mão esquerda enviam o espectador para o simbolismo da fidelidade, através do objecto aliança. Que aliás passa quase despercebido, mérito brutal de sua intérprete, se reconhecermos que o seu uso abusivo “estragaria” a cena.
Só é lamentável não reconecerem Diane Lane como uma das melhores actrizes do seu tempo.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Chico Buarque vs Beatles ?





Foi no tempo em que os bichos falavam -1966, 67, por aí. Os meninos brasileiros estavam ouvindo Lovely Rita, dos Beatles. Mas os mais espertos preferiam A Rita, de Chico Buarque. As duas canções saíram na mesma época, mas as Ritas eram diferentes. A de Lennon e McCartney era uma guarda civil encarregada de fiscalizar parquímetros. Usava farda, quépi e bolsa atravessada ao peito, era desenxabida, meio coroa e, certamente, virgem. Em suma, Inglesa. Lennon ou McCartney – um dos dois, difícil dizer qual – está a perigo e a fim de Rita. Convida-a para jantar, o que, devido ao inusitado da proposta, Rita não apenas aceita como ainda paga a conta. Ele a leva para casa, ela o convida a entrar e, quando ele pensa que os dois vão acabar na cama, tem de se conformar em passar a noite conversando na sala com ela e com as suas duas irmãs. Já a Rita de Chico, foi embora e levou seu retrato, seu trapo, que papel, uma imagem de São Francisco e um bom disco de Noel. Não levou um tostão porque não tinha não, mas causou perdas e dano. Ou seja, uma mulher de personalidade. A Rita dos Beatles era uma pata-choca encalhada. A de Chico era safa, despachada e capaz de uma atitude (…).


Ru Castro é jornalista, escreveu as diversas biografias.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Antena da Raça !


(...) De provocação em provocação, sob vaias e aplausos consagradores, Caetano parecia fadado a uma glória que a ditadura militar, incomodada com o seu jeito de ser, cantar e vestir-se, pretendeu aniquilar, mas apenas interrompeu por dois anos. Preso com Gil, em 1969, e depois exilados em Londres, nada foi capaz de baixar a crista de Caetano, de domar a sua rebeldia. Antena de raça, receptor e transmissor dos sentimentos que vão na alma do povo - é isto que todo o poeta, segundo Ezra Pound, é ou deveria ser, e Caetano sempre procurou ser. Com ou sem música. A língua portuguesa tem poucos poetas de sua estatura e o quotidiano brasileiro, raros observadores tão agudos, intuitivos e desconcertantes como ele.
Quanto ao cantor, até João Gilberto já deve, um dia, ter pensado com os seus botões:
"Agora o melhor é ele"


Sérgio Augusto, jornalista, critico de cinema e autor do livro Este Mundo é um Pandeiro - A Chanchada de Getúlio a JK.
"Caetano é o mais original compositor-criador musical de nossa geração e essa originalidade reside no tratamento elegante e delicado que dá a sua inequívoca ousadia poética"
Gilberto Gil

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Carta de Omaggio a Cassandra Wilson



Constantemente…


Ouvimos constantemente música. Estamos constantemente a ser bombardeados de sons, barulho,ruídos, música de elevador, música nos ginásios, átrios de hotel, etc. Lembro-me de ouvir, numa entrevista, a brasileira Adriana Calcanhotto dizer a Ana Sousa Dias que: “Temos música a mais no planeta, existe um excesso de música, em todos os sítios por onde passamos hoje”. Não só partilho da mesma opinião como acrescentaria que:
É essa canseira musical que não nos permite, muitas vezes, prestar atenção naquilo que é devido, ou que pelo menos, seria.
O meu primeiro contacto com a música de Cassandra Wilson deu-se em 1999, aquando de um daqueles insistentes zappings pela Tv. Foi então que sintonizando o canal Mezzo, reconhecido canal francês pelo seu mérito musical, apercebi-me da força negra de uma cantora americana com um dos mais belos perfis de mulher que alguma vez tinha visto. Ao mesmo tempo que o deslumbramento ia se multiplicando em mim, essa tal cantora parecia aperceber-se disso e reticente ria-se para mim. Depois começou a enxergar a construção natural de um novo projecto musical em minha pessoa. Como ouvi alguém dizer um dia: “Ela só me surpreendeu uma vez, quando a conheci e a ouvi cantar. Foi uma surpresa tão grande e tão profunda que ainda hoje vivo sobre o seu impacto”.
O Homem precisa de arte porque tem alma, foi o que me ocorreu intuitivamente. A voz baixo desta cantora do Mississipi teve um impacto tão forte, que só descansei quando comecei a procurar por toda a feira da ladra discos desta mulher… a tal do perfil inesquecível. Bom,então a escolha recaiu sobre o seu disco de homenagem a Miles Davis – o soberbo “Travelling Miles” com um duplo sentido. Ficamos automaticamente rendidos com o tema de abertura “Run the voodoo Down”, talvez o mais jazzistico álbum de Cassandra Wilson”.
Concebido inicialmente como um meio de experimentar outros universos musicais, a cantora maravilha-nos com o disco “Belly of the Sun”. Cada faixa de abertura de um disco de Cassandra parece determinar a sua nova intenção musical “The Weight” dos The Band fica a contemplação do que significa para os músicos a palavra – arranjo. O bem-aventurado “You gotta move” revelam uma cantora muito bem aconchegada num registo Blues. “Waters of March” de Tom Jobim e “Only a dream in Rio” canção de James Taylor de tributo à musica brasileira, fazem a cantora reencontrar a Bossa Nova, imprimindo-lhe um sofrimento mais típico do Blues e a sofisticação nítida do Jazz embebida no universo da Country, da musica norte-americana, uma das suas maiores paixões e importante fonte de inspiração musical.
No outro dia, ouvindo Pedro Almodôvar dizer que considerava Bebel Gilberto a sua cantora preferida da actualidade, pus-me a pensar se esta seria merecedora de tamanha honra e distinção por parte do realizador espanhol. Mas o que é que isso interessa…não é de todo importante. Para mim uma representa um pequeno rio e a outra um imenso oceano musical. Não que sejam geracionais, ou mesmo comparáveis. Fui buscar isto para dizer que Cassandra Wilson, para mim, representa a força musical de todo aquele continente chamado América. Ela reúne todos aqueles sons em sua música, desde o norte (Blues, Country, Jazz, Soul, Rock and Roll) ao Central Reggae e a Bossa Nova do Sul. Não há nada para ela que não posso ser reinventado. Nada que lhe pareça estar oculto numa canção e que arranja sempre forma de ser revelado.


PS – Concerto: Cassandra Wilson in Jazz Vitoria Festival (2005) – Espanha.
Momento: “I once to be loved” para Mudy Waters em que o guitarrista Marvin Sewell ligado a um amplificador Vox saca o verdadeiro som de um slide guitar (bottleneck)


Por: Tiago Pereira da Silva

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Esta cidade está entregue á Bicharada..

Apocalypse Now made in Lisboa Directed by Carmona Rodrigues

Caros colegas e amigos preparem-se que depois disto tudo é possivel:
Vinha eu a chegar a casa esta sexta de manhã, quando sou confrontado com um imenso aparato policial mesmo à frente do meu prédio. Resultado todos os carros multados sem mais nem porquê!
ahhh é verdade, esqueci-me de revelar o fundamental, o sitio onde os carros, de todos os inclinos do prédio, estão habitualmente (ou estavam) estacionados é um imenso passeio com largura própria para caberem carros nesta posição I (ou seja ao comprido), segundo dizem feito propositadamente para a malta deixar o carro, a mota ou para alguns a avioneta à porta do prédio. Importa também acrescentar o seguinte, antes de passarmos ao essencial da estória (sem h), o prédio tem duas garangens que o senhorio fez questão de alugar a duas empresas de papel desde que eu me conheço como gente... já lá vão 27 primaveras!
Quando confrontei o Sr. agente da autoridade sobre o que se estava a passar com o meu carro, que ressalvo, estava perfeitamente estacionado de acordo com o que invoquei à pouco... começou aquela lenga lenga, (e) depois de me apresentar, do: "Sr. Tiago Silva o Sr foi autoado porque... o Sr. sabe.. conhece o código.. Artigo. X da alínea Y... aquela que diz tubarão-baleia ".
Eu na minha perplexidade não sabia se havia de rir ou de perguntar se era para os apanhados!
De facto devia ter enveredado pela segunda lógica.
De qualquer modo fiquei-me pela pergunta inevitável: "Sr. guarda mas baseado em quê? Toda a vida deixámos aqui os carros, as garagens do prédio estão inutilizáveis como vê, por outro lado não recebemos nenhum aviso dos agentes municipais, nem tão pouco do senhorio, a avisar que de hoje em diante seria expressamente proibido estacionar aqui... ou melhor como vê no resto da rua para estacionar tenho que deixar a viatura em cima da faixa de rodagem, o que não me parece prudente para não ser novamente autoado pelos Senhores (com um S grande).
Que alternativa é que me dá"? Ao que ele apressadamente respondeu:
- "Pagar 30 euros ou então entregar-me os seus documentos"
Eu respondi:
- "Confesso que nenhuma das alternativas é propriamente tentadora"
Perguntar-me-ão se a estória teve um final feliz?
Não só não paguei como ele também não me apreendeu os documentos... ahh, também deixei a multa onde estava para no caso deles voltarem... quer dizer, pensando bem, é melhor ir lá baixo para no caso de me terem rebocado o carro.
Por: Tiago Pereira da Silva

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Rubrica: Grandes mestres da Guitarra

My all time acoustic guitar themes – top 10
no order ...
Andrés Segovia – J.S. Bach: Partita No. 3 in E BWv 1006- Gavotte & Rondó
Paco de Lucia, John Mclaughin & Al di Meola – Fantasie Suite
Ry Cooder – Les Copeland
Jimi Hendrix – Hear my Train Comin´
Randy Rhoads – Dio
Eddie Van Halen – Spanish Fly
Eric Clpaton – Motherless Child
Jimmy Page – Bron-yr-aur
Steve Ray Vaughan – 12 string guitar solo
Paco de Lucia, John Mclaughin & Al di Meola - Mediterranean Sundance / Rio Ancho

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Uma questão de beleza?


Diamante de Sangue Vs DiCaprio

Parafraseando o espanhol Jordi Costa, para mim “as películas de Edward Zwick são o equivalente cinematográfico da chamada literatura de Aeroporto”. Devo agora acrescentar que esta tem, no seu mais fiel seguidor, o famoso autor do Código Da Vinci – exactamente Dan Brown. Mas voltando ao filme, basta duas dúzias de minutos para se perceber por onde seguirá o filme e o que é que poderemos esperar dele.
Confesso que uma das razões que me levou a ir ver o filme foi a de ter visto, não sei quantas vezes escrito, que Leonardo DiCaprio tinha um papel arrebatador, “o” papel da sua curta carreira. De adicionar também que, não se trata de uma implicância com DiCaprio, pelo contrário, continuo a achar que é mais do que uma cara bonita, e sou até bastante crítico daqueles que têm a mania de que essa mesma cara bonita não pode ser ao mesmo tempo um “mestre” na arte da representação. A história do cinema norte-americano está repleto de exemplos flagrantes desses, ou não fosse a maior referência de todas Marlon Brando que como se sabe, dilacerava a respiração das mulheres sobretudo nos anos 40 e 50, este notabilizou-se por sua rebeldia e paixão pelo método Stanilavski
. Poderíamos invocar os amigo-rivais Paul Newman e Robert Redford, ou até mais recentemente o camaleónico Johnny Depp. Portanto não se trata aqui dos “looks” de Leo, mas sim do que ele ainda não consegue fazer, ao contrário dos anteriormente citados para não ser de facto DiCaprio a que nos habituámos no cinema. Relembro até o esforço considerável de Brad Pitt para deixar de ser uma celebridade em Babel e tornar-se num homem comum. Aqui levanta-se outra questão, a importância da Direcção de Actores no cinema norte-americano. Agora, sejamos realistas! Não me parece que um tal de Martin Scorcese, não seja um monumental mestre na sempre complicada tarefa de dirigir um actor ao que pretende. E invoco Scorcese não só pela profunda admiração que sinto, como oportunamente verificamos que é o realizador que amadureceu Dicaprio. Aliás acho que este vai bem melhor em The Departed do que no filme que alimenta esta critica (...)
Sem querer teorizar, resta-me dizer que Djimon Hounsou faz aquilo que talvez ainda não esteja ao alcance de DiCapriotalvez seja mais oportuno afirmar, se Leo não me levar a mal... By, By Óscar!


Por: Tiago Pereira da Silva

Dave Matthews Band ... 25-5-2007!


Por: Tiago Pereira da Silva
Uma vez a propósito de um espectáculo de homenagem a Johnny Cash em 1999, em que estiveram presentes diversos artistas como Emmylou Harris que se juntou a Dave Matthews em "The Long Black Veil" podemos ouvir o próprio Johnny Cash na apresentação do seu convidado especial dizer:
“Numa era de artistas pré-fabricados o nosso próximo convidado consegue ainda deliciar os fans in the old fashion way, noite após noite com grandes concertos (…) Ladys and gentleman … Dave Matthews”. Vindo de quem vem, este elogio, pouco mais há a acrescentar!
Para mim a música deste Sul-Africano residente nos EUA e sua magnífica banda, remetem-me para uma espécie de E-Street Band dos tempos modernos. E digo isto no melhor sentido do termo. O ambiente em torno daqueles músicos juntos a “deliciar” os fans é de uma força que infelizmente começa a escassear na música do mundo, pelo menos para aqueles que seguiram a evolução da chamada pop music desde dos anos 60. Há qualquer coisa de mágico, há qualquer coisa de antigo… há simplesmente qualquer coisa de música. A Dave Matthews Band representa para mim a negação de quase todos os movimentos musicais que tenho visto emergir nos últimos tempos.
É fácil… ponha a tocar o álbum crash e procure ouvir a metáfora musical de “Proudest Monkey” - o resto surgirá naturalmente.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Uma força que vem, não sei de onde







Maria João & Mário Laginha: Chorinho Feliz


A menina e o Piano

De onde vem este som ?

Quem ouve a segunda parte da música deste álbum feito no Brasil... é imediatamente trasnportado para um lugar distante... de sonho ou realidade! De reino ou fantasia.
Maria João canta com uma força que vem não sei de onde e Laginha guia-nos com o seu harmoniopiano... as marimbas, flautas, acordeão e bandolim fazem do escuro - claro, do frio - quente.

domingo, 4 de fevereiro de 2007

A revisão do Humor...eis que nasce uma 4ª teoria!


Excerto do jornal Diário de Almada, de Domingo, 4 de Fevereiro

Segundo Tiago Pereira da Silva
“Por um breve momento parecia que a música da O’questrada era a única representação de estética do planeta. Foi então que surgindo de um barulho aterrador de um público completamente rendido ao encanto daqueles cinco seres, e eu juro que se conseguia perceber, o desespero daquela voz trémula, que numa tão bem conseguida transformação musical de “Como nossos pais” celebrizado por Elis Regina, em uma espécie de fado… sim, essa voz nos assegurava estarmos na presença de um dos mais famosos temas de Martinho da Vila”.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

A minha "construção" musical...


Chico Buarque: Construção (1971)


Depois de uma fase mais popular, com temas de incrível apelo popular, como “A Banda” e “Pedro Pedreiro”, temos um Chico mais maduro, regressado de um exílio e com a sua fabulosa obra prima Opera-samba “Construção”. Uma música pouco convencional para a época, quer pelo seu tempo de duração, quer pela seu crescendo musical. Curiosamente tornou-se um enorme sucesso, e, popular entre as rádios do Brasil. Logo nos primeiros acordes percebemos estar na presença de algo diferente. A última palavra de cada verso como proparoxítona é de uma inacreditável originalidade. A célebre história de um operário num dia de trabalho. Mas o álbum está repleto de pérolas, como “Cotidiano” a visão masculino-irascível da rotina de um casal. É simplesmente imperdível. Penso que o Brasil seria infinitamente mais pobre sem ele.


Por: Tiago Pereira da Silva

Londrina (Brasil), 2004


O Homem Gato


O homem gato passeia-se
Pelas ruas onde mora
Lugares da minha sorte
Quem fala comigo?
Quem é desta história?
Do meu universo,
Do que é Real,
Do agora,
Deste preciso momento
A cada ponto, a cada vírgula,
Perco mais o horizonte
Que apesar de não alcançar
Divido-me nos vários mundos
O aéreo e o viajante,
O liquido e o concreto,
O díspar e o ímpar,
O solto e a rebeldia,
Do instinto ao humor
A água corre com força
Com a força
E aquilo que representa
Ele sabe nada ter a temer
Pois nada entra em seu mundo
Nada é certo
Quem garante?
Quem sabe o que acontece comigo?
Connosco?
Mas ele sabe,
Pelo menos isso
Livre voa de telhado em telhado
Mia de noite e fala de dia
Por: Tiago Pereira da Silva


Rio Ódio

O ódio carrega a arma suja
Como a bota de um soldado
Que chafurda na lama

Quero querer não ter
A imagem da guerra
Mas o disfarce de um gesto límpido
Que na memória seca e dura
Cria pontes sobre o rio ódio

Quem sabe o que é ver ?
Todos somos cegos
Perante a morte comum,
Que já não nos choca,
Que desceu ás ruas como
As gotas que caem do telhado
Que avisto com os meus olhos loucos

Lá fora o vento estremece a minha janela
E o frio inimaginável de um soldado em guerra
É agora meu
É aquele que cheira e sente só medo
Nem dor mais,
Sente apenas o coração que chora
Eu sou mais eu,
Porque o acompanho

O sangue das Mães que sós
Alimentam um sonho de paz
Famintam, gracejam, esquecem e pensam
Riem e não sabem mais porquê
Tudo perdeu sentido

No rio as lágrimas correm
E esperam a seca, porque
Não há mais lugar para a dor.


Por: Tiago Pereira da Silva

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Um homem iluminado


Toda a vez que uma árvore é cortada aqui na Terra,
eu acredito que ela cresça outra vez em outro lugar
- em algum outro mundo.
Então, quando eu morrer,
este é o lugar para onde quero ir.
Onde as florestas vivam em paz.


António Carlos Jobim

Génios da Pintura:


Jackson Pollock

1912-1956


Azul (Moby Dick - 1943) é fortemente influeciado pelas composições de Wassily Kandinsky dos anos 40, observamos configurações biomórficas, amíbicas ou de carangueijo, elaborada mas livremente espalhadas por um plano de fundo azul enevoado.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Rubrica: Génios da Pintura


David Alfaro Siqueiros


Dele dizia-se que, na juventude, traçava as figuras de seus morais a tiros de revólver.

Embora falsa, essa anedota revela toda a compulsão para a violência que fez de Siqueiros um artista na tradição revolucionária anticonformista do quinhentista Benvenuto Cellini e do sesicentista Caravaggio.


Era um dos três maiores pintores do México. Com Rivera e Orozco, havia criado o muralismo mexicano, importante escola de pintura moderna.

(...) Aí cessa a unidade e começa a diferença. Pois frente a um determinado tema - um índio, por exemplo -

Rivera pintaria um homem capaz de sofrer; Orozco pintaria um homem sofrendo; Siqueiros sem personalizar, pintaria o sofrimento.


Rittner, M.

Recordando Frida




FRIDA ***

Realizador: Julie Taymor
Interpretes: Salma Hayek, Alfred Molina, Ashley Judd,
António Banderas; Geoffrey Rush, Edward Norton.
Nacionalidade: EUA/Canadá

Por: Tiago Pereira da Silva

Ela mesmo disse um dia: “Surrealismo é a surpresa mágica de encontrar um leão num guarda-roupa, onde tínhamos a certeza que encontraríamos camisas”. Nestas suas palavras existe a evidência de uma das suas mais fascinantes características, a sua visão sempre tão real de uma realidade tão diferente para cada um de nós. Neste filme a realizadora Julie Taymor transporta-nos para o universo Frida Kahlo, uma pintora mexicana de vanguarda do séc. XX. Quem sabe a artista (mulher) mais importante e influente de toda a América Latina e tal como a própria reconhecia com um estilo difícil de classificar, respondendo sempre de forma contundente aos que dela faziam uma pintora surrealista.
Não só como protagonista aparece Salma Hayek, a actriz de origem mexicana tem um contributo decisivo na produção do filme, um projecto que ambicionava abraçar desde há sete anos, deixando para trás a concorrência de nomes tão sonantes como Madona ou a bomba latina Jennifer Lopez. A verdade é que Salma não só é bonita como procura representar, a história esteve do seu lado talvez até pelo facto de Salma ter uma profunda admiração pelo universo Frida Kahlo, não só como artista mas também como mulher, que demonstrou ter a força necessária para vencer situações mais adversas com que um ser humano pode se defrontar, na sua rebeldia pela forma como alcançou determinados prazeres da vida, quer espirituais, quer sexuais. A sua interpretação é convincente, num filme que é muita coisa e ao mesmo tempo não o é, e, muito do que poderia ter sido fica num lugar quase obscuro para o espectador.
Foi com alguma estranheza que verifiquei o facto do filme não ser falado na língua mãe de Frida – o Castelhano, mesmo até porque o núcleo duro dos actores do filme é de origem hispânica. Fica por esclarecer! Ou será que não ?? Dir-nos-ão:
- Por razões comerciais, de distribuição do mesmo, ou simplesmente por ser também um filme associado à grande produtora norte-americana Miramax, que aqui para nós, deverá ter feito as suas exigências.
O filme tem início numa fase jovem da vida de Frida, muito antes dela pensar sequer em ser pintora, num período que antecede o gravíssimo acidente (em 1925 Frida Kahlo sofreu um terrível acidente do qual resultaram diversas facturas na coluna “atirando-a” para uma cama muito tempo da sua vida), e também, o seu primeiro contacto com o pintor de murais Diego Rivera (conhecido artista mexicano de ideais comunistas e que revolucionou o mundo e a cultura pan-americano) com quem viria a casar duas vezes.
Ao longo do filme deparamo-nos com outra questão, porque terá a realizadora abdicado desde o início do filme, da relação temporal com os acontecimentos marcantes da vida da pintora? Apesar de não ser tão óbvio ou mesmo indispensável para o filme, talvez fosse pertinente pelo facto de o seu trabalho enquanto pintora ter evoluído e ter sido “drasticamente” influenciado por sua relação com Rivera, traduzindo para a sua pintura as suas emoções, seus desgostos, seus conflitos interiores, suas dúvidas, mas sobretudo – suas certezas.
É no entanto, uma obra de uma grande força visual (talvez o melhor do filme) aliada a um ritmo narrativo muito bem conseguido. Salma (que nos aparece com sobrancelhas e buço, traços característicos de Frida, abdicando do ego e vaidade tão popular entre actrizes de Hollywood), bem como excelentes interpretações de Alfred Molina (Rivera) e o tão bem conseguido Trotski (Frida teve com ele uma relação curta e escondida) na figura de Geoffrey Rush. Trotski pensador revolucionário auto exilou-se no México por força da perseguição dos homens de Stalin.
Em muitos episódios comuns à sua vida, o filme Frida é uma sincera homenagem a uma mulher que viveu como poucas, demonstrando uma abertura em quase todos os domínios das sua vida. No amor, o filme sublinha a sua relação com Rivera, muito mais que seu marido, seu amigo e companheiro, aquele que provocou talvez o maior “acidente” da sua vida (é sabido dos inúmeros casos de Rivera com outras mulheres, uma demasiado importante para Frida a sua própria irmã). A pintora teve também diversas relações, algumas com mulheres – a sua abertura na sexualidade espelhava a sua maneira de viver, cada dia como se de o último se tratasse, procurando em tudo uma forma de encontrar a felicidade.
No filme apercebemo-nos que a adversidade lhe terá dado a força necessária, mas sobretudo a irónica oportunidade de ver o mundo numa perspectiva artística de uma riqueza incomparável, durante os meses ou até anos que passou deitada em camas de hospitais encontrando sempre a energia inesgotável das emoções no seu turbilhão interior. Penso que este retrato apesar de curto e de certa forma previsível, é muito bem capturado pela realizadora.
A inesgotável força visual do filme é sempre acompanhada por uma portentosa banda sonora e que com uma enorme subjectividade devo acrescentar, uma das mais bem conseguidas nos últimos tempos. Uma riqueza sonora que deriva da música popular mexicana e das entranhas das civilizações Aztecas. Podemos justamente escutar uma das mais poderosas cantoras mexicanas da actualidade – Lilla Downs, ou até mesmo, o nosso conhecido e um dos músicos mais prestigiados no mundo – Caetano Veloso. Recordando a cerimónia dos Óscares desse ano, Caetano ao ser apresentado para interpretar o tema canção do filme – Frida (Burn it Blue) foi, como o Bob Dylan Brasileiro. Aquela estúpida mania americana de apresentarem grandes autores tendo sempre como referencia incontornável um artista americano. Como se os artistas do chamado 3º mundo fossem menos importantes ou menos influentes. Com as relativas distancias, Caetano Veloso é Caetano em qualquer canto do mundo.
O filme é recheado de aspectos interessantes, até pelo tema que acarreta, mas penso que devemos assistir a este Frida de espírito aberto, dando atenção aos pormenores despercebidos, pois na demonstração do trabalho artístico de Frida está a generosidade do mesmo, pelo menos esse lado artístico da pintora terá sido homenageado. Mas é também por isso que considero escasso reconhecer a obra de um artista através deste género de biopic.
Na inquietação do final, o espectador depara-se com uma oportuna e interessante reflexão – será que aliada à mais profunda expressão artística virá sempre um drama existencial de um sofrimento inadiável?