FRIDA ***
Realizador: Julie Taymor
Interpretes: Salma Hayek, Alfred Molina, Ashley Judd,
António Banderas; Geoffrey Rush, Edward Norton.
Nacionalidade: EUA/Canadá
Por: Tiago Pereira da Silva
Ela mesmo disse um dia: “Surrealismo é a surpresa mágica de encontrar um leão num guarda-roupa, onde tínhamos a certeza que encontraríamos camisas”. Nestas suas palavras existe a evidência de uma das suas mais fascinantes características, a sua visão sempre tão real de uma realidade tão diferente para cada um de nós. Neste filme a realizadora Julie Taymor transporta-nos para o universo Frida Kahlo, uma pintora mexicana de vanguarda do séc. XX. Quem sabe a artista (mulher) mais importante e influente de toda a América Latina e tal como a própria reconhecia com um estilo difícil de classificar, respondendo sempre de forma contundente aos que dela faziam uma pintora surrealista.
Não só como protagonista aparece Salma Hayek, a actriz de origem mexicana tem um contributo decisivo na produção do filme, um projecto que ambicionava abraçar desde há sete anos, deixando para trás a concorrência de nomes tão sonantes como Madona ou a bomba latina Jennifer Lopez. A verdade é que Salma não só é bonita como procura representar, a história esteve do seu lado talvez até pelo facto de Salma ter uma profunda admiração pelo universo Frida Kahlo, não só como artista mas também como mulher, que demonstrou ter a força necessária para vencer situações mais adversas com que um ser humano pode se defrontar, na sua rebeldia pela forma como alcançou determinados prazeres da vida, quer espirituais, quer sexuais. A sua interpretação é convincente, num filme que é muita coisa e ao mesmo tempo não o é, e, muito do que poderia ter sido fica num lugar quase obscuro para o espectador.
Foi com alguma estranheza que verifiquei o facto do filme não ser falado na língua mãe de Frida – o Castelhano, mesmo até porque o núcleo duro dos actores do filme é de origem hispânica. Fica por esclarecer! Ou será que não ?? Dir-nos-ão:
- Por razões comerciais, de distribuição do mesmo, ou simplesmente por ser também um filme associado à grande produtora norte-americana Miramax, que aqui para nós, deverá ter feito as suas exigências.
O filme tem início numa fase jovem da vida de Frida, muito antes dela pensar sequer em ser pintora, num período que antecede o gravíssimo acidente (em 1925 Frida Kahlo sofreu um terrível acidente do qual resultaram diversas facturas na coluna “atirando-a” para uma cama muito tempo da sua vida), e também, o seu primeiro contacto com o pintor de murais Diego Rivera (conhecido artista mexicano de ideais comunistas e que revolucionou o mundo e a cultura pan-americano) com quem viria a casar duas vezes.
Ao longo do filme deparamo-nos com outra questão, porque terá a realizadora abdicado desde o início do filme, da relação temporal com os acontecimentos marcantes da vida da pintora? Apesar de não ser tão óbvio ou mesmo indispensável para o filme, talvez fosse pertinente pelo facto de o seu trabalho enquanto pintora ter evoluído e ter sido “drasticamente” influenciado por sua relação com Rivera, traduzindo para a sua pintura as suas emoções, seus desgostos, seus conflitos interiores, suas dúvidas, mas sobretudo – suas certezas.
É no entanto, uma obra de uma grande força visual (talvez o melhor do filme) aliada a um ritmo narrativo muito bem conseguido. Salma (que nos aparece com sobrancelhas e buço, traços característicos de Frida, abdicando do ego e vaidade tão popular entre actrizes de Hollywood), bem como excelentes interpretações de Alfred Molina (Rivera) e o tão bem conseguido Trotski (Frida teve com ele uma relação curta e escondida) na figura de Geoffrey Rush. Trotski pensador revolucionário auto exilou-se no México por força da perseguição dos homens de Stalin.
Em muitos episódios comuns à sua vida, o filme Frida é uma sincera homenagem a uma mulher que viveu como poucas, demonstrando uma abertura em quase todos os domínios das sua vida. No amor, o filme sublinha a sua relação com Rivera, muito mais que seu marido, seu amigo e companheiro, aquele que provocou talvez o maior “acidente” da sua vida (é sabido dos inúmeros casos de Rivera com outras mulheres, uma demasiado importante para Frida a sua própria irmã). A pintora teve também diversas relações, algumas com mulheres – a sua abertura na sexualidade espelhava a sua maneira de viver, cada dia como se de o último se tratasse, procurando em tudo uma forma de encontrar a felicidade.
No filme apercebemo-nos que a adversidade lhe terá dado a força necessária, mas sobretudo a irónica oportunidade de ver o mundo numa perspectiva artística de uma riqueza incomparável, durante os meses ou até anos que passou deitada em camas de hospitais encontrando sempre a energia inesgotável das emoções no seu turbilhão interior. Penso que este retrato apesar de curto e de certa forma previsível, é muito bem capturado pela realizadora.
A inesgotável força visual do filme é sempre acompanhada por uma portentosa banda sonora e que com uma enorme subjectividade devo acrescentar, uma das mais bem conseguidas nos últimos tempos. Uma riqueza sonora que deriva da música popular mexicana e das entranhas das civilizações Aztecas. Podemos justamente escutar uma das mais poderosas cantoras mexicanas da actualidade – Lilla Downs, ou até mesmo, o nosso conhecido e um dos músicos mais prestigiados no mundo – Caetano Veloso. Recordando a cerimónia dos Óscares desse ano, Caetano ao ser apresentado para interpretar o tema canção do filme – Frida (Burn it Blue) foi, como o Bob Dylan Brasileiro. Aquela estúpida mania americana de apresentarem grandes autores tendo sempre como referencia incontornável um artista americano. Como se os artistas do chamado 3º mundo fossem menos importantes ou menos influentes. Com as relativas distancias, Caetano Veloso é Caetano em qualquer canto do mundo.
O filme é recheado de aspectos interessantes, até pelo tema que acarreta, mas penso que devemos assistir a este Frida de espírito aberto, dando atenção aos pormenores despercebidos, pois na demonstração do trabalho artístico de Frida está a generosidade do mesmo, pelo menos esse lado artístico da pintora terá sido homenageado. Mas é também por isso que considero escasso reconhecer a obra de um artista através deste género de biopic.
Na inquietação do final, o espectador depara-se com uma oportuna e interessante reflexão – será que aliada à mais profunda expressão artística virá sempre um drama existencial de um sofrimento inadiável?
Realizador: Julie Taymor
Interpretes: Salma Hayek, Alfred Molina, Ashley Judd,
António Banderas; Geoffrey Rush, Edward Norton.
Nacionalidade: EUA/Canadá
Por: Tiago Pereira da Silva
Ela mesmo disse um dia: “Surrealismo é a surpresa mágica de encontrar um leão num guarda-roupa, onde tínhamos a certeza que encontraríamos camisas”. Nestas suas palavras existe a evidência de uma das suas mais fascinantes características, a sua visão sempre tão real de uma realidade tão diferente para cada um de nós. Neste filme a realizadora Julie Taymor transporta-nos para o universo Frida Kahlo, uma pintora mexicana de vanguarda do séc. XX. Quem sabe a artista (mulher) mais importante e influente de toda a América Latina e tal como a própria reconhecia com um estilo difícil de classificar, respondendo sempre de forma contundente aos que dela faziam uma pintora surrealista.
Não só como protagonista aparece Salma Hayek, a actriz de origem mexicana tem um contributo decisivo na produção do filme, um projecto que ambicionava abraçar desde há sete anos, deixando para trás a concorrência de nomes tão sonantes como Madona ou a bomba latina Jennifer Lopez. A verdade é que Salma não só é bonita como procura representar, a história esteve do seu lado talvez até pelo facto de Salma ter uma profunda admiração pelo universo Frida Kahlo, não só como artista mas também como mulher, que demonstrou ter a força necessária para vencer situações mais adversas com que um ser humano pode se defrontar, na sua rebeldia pela forma como alcançou determinados prazeres da vida, quer espirituais, quer sexuais. A sua interpretação é convincente, num filme que é muita coisa e ao mesmo tempo não o é, e, muito do que poderia ter sido fica num lugar quase obscuro para o espectador.
Foi com alguma estranheza que verifiquei o facto do filme não ser falado na língua mãe de Frida – o Castelhano, mesmo até porque o núcleo duro dos actores do filme é de origem hispânica. Fica por esclarecer! Ou será que não ?? Dir-nos-ão:
- Por razões comerciais, de distribuição do mesmo, ou simplesmente por ser também um filme associado à grande produtora norte-americana Miramax, que aqui para nós, deverá ter feito as suas exigências.
O filme tem início numa fase jovem da vida de Frida, muito antes dela pensar sequer em ser pintora, num período que antecede o gravíssimo acidente (em 1925 Frida Kahlo sofreu um terrível acidente do qual resultaram diversas facturas na coluna “atirando-a” para uma cama muito tempo da sua vida), e também, o seu primeiro contacto com o pintor de murais Diego Rivera (conhecido artista mexicano de ideais comunistas e que revolucionou o mundo e a cultura pan-americano) com quem viria a casar duas vezes.
Ao longo do filme deparamo-nos com outra questão, porque terá a realizadora abdicado desde o início do filme, da relação temporal com os acontecimentos marcantes da vida da pintora? Apesar de não ser tão óbvio ou mesmo indispensável para o filme, talvez fosse pertinente pelo facto de o seu trabalho enquanto pintora ter evoluído e ter sido “drasticamente” influenciado por sua relação com Rivera, traduzindo para a sua pintura as suas emoções, seus desgostos, seus conflitos interiores, suas dúvidas, mas sobretudo – suas certezas.
É no entanto, uma obra de uma grande força visual (talvez o melhor do filme) aliada a um ritmo narrativo muito bem conseguido. Salma (que nos aparece com sobrancelhas e buço, traços característicos de Frida, abdicando do ego e vaidade tão popular entre actrizes de Hollywood), bem como excelentes interpretações de Alfred Molina (Rivera) e o tão bem conseguido Trotski (Frida teve com ele uma relação curta e escondida) na figura de Geoffrey Rush. Trotski pensador revolucionário auto exilou-se no México por força da perseguição dos homens de Stalin.
Em muitos episódios comuns à sua vida, o filme Frida é uma sincera homenagem a uma mulher que viveu como poucas, demonstrando uma abertura em quase todos os domínios das sua vida. No amor, o filme sublinha a sua relação com Rivera, muito mais que seu marido, seu amigo e companheiro, aquele que provocou talvez o maior “acidente” da sua vida (é sabido dos inúmeros casos de Rivera com outras mulheres, uma demasiado importante para Frida a sua própria irmã). A pintora teve também diversas relações, algumas com mulheres – a sua abertura na sexualidade espelhava a sua maneira de viver, cada dia como se de o último se tratasse, procurando em tudo uma forma de encontrar a felicidade.
No filme apercebemo-nos que a adversidade lhe terá dado a força necessária, mas sobretudo a irónica oportunidade de ver o mundo numa perspectiva artística de uma riqueza incomparável, durante os meses ou até anos que passou deitada em camas de hospitais encontrando sempre a energia inesgotável das emoções no seu turbilhão interior. Penso que este retrato apesar de curto e de certa forma previsível, é muito bem capturado pela realizadora.
A inesgotável força visual do filme é sempre acompanhada por uma portentosa banda sonora e que com uma enorme subjectividade devo acrescentar, uma das mais bem conseguidas nos últimos tempos. Uma riqueza sonora que deriva da música popular mexicana e das entranhas das civilizações Aztecas. Podemos justamente escutar uma das mais poderosas cantoras mexicanas da actualidade – Lilla Downs, ou até mesmo, o nosso conhecido e um dos músicos mais prestigiados no mundo – Caetano Veloso. Recordando a cerimónia dos Óscares desse ano, Caetano ao ser apresentado para interpretar o tema canção do filme – Frida (Burn it Blue) foi, como o Bob Dylan Brasileiro. Aquela estúpida mania americana de apresentarem grandes autores tendo sempre como referencia incontornável um artista americano. Como se os artistas do chamado 3º mundo fossem menos importantes ou menos influentes. Com as relativas distancias, Caetano Veloso é Caetano em qualquer canto do mundo.
O filme é recheado de aspectos interessantes, até pelo tema que acarreta, mas penso que devemos assistir a este Frida de espírito aberto, dando atenção aos pormenores despercebidos, pois na demonstração do trabalho artístico de Frida está a generosidade do mesmo, pelo menos esse lado artístico da pintora terá sido homenageado. Mas é também por isso que considero escasso reconhecer a obra de um artista através deste género de biopic.
Na inquietação do final, o espectador depara-se com uma oportuna e interessante reflexão – será que aliada à mais profunda expressão artística virá sempre um drama existencial de um sofrimento inadiável?
1 comentário:
Simplesmente maravilhoso o filme. O tenho aqui em minha coleção, assim como a trilha sonora. E vc continua um inveterado fã de Caetano, não?! Bom.
É, a expressão artística muito comumente vem acompanhada de certo grau de sofrimento. Mas afinal, quem não sofre? Poderíamos ser todos artístas!
bjo
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